quinta-feira, 20 de outubro de 2011

CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS

SAL – os espargos bravos

 

Na viagem à história das ilhas é lógico começarmos pelo Sal, afinal das contas ali fica o nosso mais conhecido e importante portão aéreo, em princípio quem chega deverá entrar pelo “Aeroporto Internacional Amilcar Cabral” como passou a chamar-se depois da independência. E merecidamente, deve ser dito, Cabral é uma personalidade que honra qualquer povo e o seu nome enobrece Cabo Verde. Ele foi o iniciador do partido que nos conduziu à independência, e certamente por causa disso é tido como o fundador da nossa nacionalidade, ainda que seja verdade que a nação caboverdiana já existia alguns séculos antes do seu nascimento. Mas é com orgulho que é lembrado pelo povo como um dos seus filhos mais ilustres e o dia do seu assassinato, 20 de Janeiro de 1972, foi escolhido e é consensualmente aceite como data de homenagem aos heróis nacionais.

Por: Germano Almeida

CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS (continuação)
A gente entra na ilha do Sal dos dias de hoje, no seu aeroporto que aos poucos vai ficando modernizado, nos seus magníficos hotéis com ar condicionado e pessoal rigorosamente fardado, nos restaurantes bem providos de toda a sorte de vitualhas importadas, e não imagina que há apenas 27 anos aquilo tudo era uma lástima, apenas um decrépito hotel chamado “Atlântico” na povoação dos Espargos e uma familiar pousada em Santa Maria.
Quanto mais para se lembrar que há 150 anos atrás a ilha era tão inóspita que chegou a funcionar toda ela como prisão, uma espécie de campo de concentração com o mar por limite, alguém que fosse condenado por qualquer crime grave era desterrado para o Sal e ali deixado às ordens de uma espécie de feitor e ao desespero de um inclemente sol de deserto. A ilha parece ter sido descoberta em 1460 por Antonio de Nola. Por causa da enorme planície que se via do mar e que muito contrastava com as ilhas já descobertas, Nola começou por dar-lhe o nome de ilha Lana ou Chã. Mas depressa modificaria aquela primeira designação, ao explorar a salina natural de Pedra de Lume. É que ele nunca tinha visto tanta abundança de sal acumulado, comparado, só com o gelo nos Alpes, disse admirado, todos os navios do mundo que ali chegassem poderiam carregar à sua vontade e mesmo assim o sal nunca acabaria.
Era de facto tão abundante e natural que a única conclusão a que Nola chegou foi que aquele sal se fazia a si mesmo “dentro daquela lagoa, caldeira, ou bacia de seis braças de profundidade, aberta pela natureza na chapada de um monte de 39,6 metros de altura acima do nível do mar, coalhando-se em sal a água das chuvas, que cai no centro, onde querem alguns que haja um olho de água salgada, que tempera a das chuvas”.
Até ao século XVIII a ilha Sal foi pouco conhecida e visitada. Um aventureiro francês de nome Dampier diz que ali esteve em 1683, mas confessa que prestou mais atenção a uns perturbantes flamingos que por lá havia do que aos habitantes, na verdade uns cinco ou seis homens e um pobre feitor com quem trocou cerca de 20 barricas de sal por algumas roupas velhas. Já o seu companheiro, o capitão Cowley, foi mais atento, registou ter visto na ilha quatro funcionários e um rapaz, incluíndo um feitor mulato. Eram todos negros, escreveu ele, mas se alguém os chamasse pretos, ficavam furiosos, dizendo que eram portugueses brancos.
De todo o modo, por volta do ano de 1720 a ilha já estava se não habitada, pelo menos com algumas pessoas. Pelo menos assim o atesta o capitão George Roberts no livro que escreveu sobre a sua viagem às ilhas das Canárias, Cabo Verde e dos Barbados: Chegámos de manhã à ilha do Sal e fui à terra na baleeira com seis homens armados, na baía chamada Palmeira, para ver o que ali havia. Ao chegar à terra, encontrámos algumas cabanas que estavam em bom estado e, pela erva que estava dentro delas, parecia que gente havia ali estado recentemente, talvez para apanhar tartarugas na última estação delas, ou homens dum navio encalhado ou lá deixados por qualquer outro acidente, como por exemplo, piratas.
No ano de 1808 a ilha do Sal começou a ser visitada por alguns habitantes da Boa Vista que passaram a servir-se dela como campo de pastagem do seu gado. Até que por volta de 1830 o empresário e conselheiro Manuel António Martins, homem empreendedor que tinha aportado à Boa Vista por via de um naufrágio e progrediu tanto que até chegou a ser governador de Cabo Verde nos anos 1834/35, decidiu explorar a salina natural encontrada por Nola situada no monte que já se chamava de Pedra Lume, “por causa das pederneiras ou sílex que ali aparecem”..
Para facilitar o escoamento do sal, Martins imaginou e levou a cabo a construção de um túnel perfurando o monte de um lado a outro. Porém, o sal natural dali extraído não era infelizmente de uma grande qualidade. Para tentar remediar as coisas Martins mandou ali mesmo preparar marinas artificiais, mas mesmo essas não melhoraram substancialmente o apuro do sal que ele desejava exportar. E acrescia, conforme escreve Désiré Bonnaffoux, que ele acabou por desanimar de conseguir elevar o sal das salinas de Pedra Lume porque, não obstante o túnel laboriosamente conquistado à rocha basáltica, continuava com dificuldades de conseguir transpor a ladeira da cratera ainda bastante funda. E nesse entretanto calhou que em 1833 alguém descobriu por mero acaso que o terreno próximo da povoação de Santa Maria produzia um belíssimo sal, o tal sal que Martins buscava.
Comprovado o facto, logo Martins abandonou as salinas de Pedra de Lume, que aliás viriam a ser aforadas ao seu filho Aniceto António Ferreira Martins em Abril de 1846, e apressou-se a ir buscar familiares seus e outras gentes à ilha da Boa Vista para empregar no fabrico do sal, “ocupando, por conta própria, grande parte do terreno salífero, que começou a trabalhar, reconhecendo, desde logo a importância desta nova exploração”. Inicialmente o sal era morosamente carregado em sacos. Para facilitar o seu transporte, em 1836 Martins importou da Inglaterra e fez assentar o primeiro caminho-de-ferro que existiu em território português e ligou a salina ao lugar do embarque do sal, com a novidade de as vagonetas serem puxadas por mulas ou então acionadas pelo vento através de velas desfraldadas.
Nessa época a ilha do Sal fazia parte do concelho da Boa Vista. No entanto, a exploração e exportação do sal, especialmente para o Brasil e América do Norte, fez o Governo ordenar em 1837 a instalação na ilha de uma alfândega e um governo militar. Porém, é bom dizer que essas medidas administrativas são em grande parte atribuídas à má vontade do governador Pereira Marinho para com o conselheiro Martins, seu inimigo declarado na questão do povoamento de S.Vicente, e que procedia no Sal como se a ilha lhe pertencesse de direito. E de facto, em 1839 o conselheiro acaba por pedir à Coroa o aforamento “por si e por seus correspondentes em Lisboa, Matheus da Silva Louro e José da Silva, 2 léguas e meia quadradas de terreno e areais em diversos pontos da ilha, comprehendendo os que já lhe estavam na posse”, escreve Botelho da Costa em 1882 em comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa.
Graças a essa concessão a ilha do Sal começou a crescer em população e em 1840 já tinha cerca de 400 habitantes, ainda que na maioria escravos. Em 1855 viria a ser administrativamente separada da Boa Vista, ficando a partir dessa data a ser governada por um administrador e uma comissão municipal. Já exportava por ano cerca de 6 mil moios de sal, mas nada produzia para consumo das suas gentes pelo que, tal como a Boa Vista, importava do estrangeiro, principalmente da América, todos as mercadorias e utensílios de que necessitava. De todo o modo, em 1856 achou-se oportuno criar na ilha uma Câmara Municipal para substituir a Comissão Municipal.
O Sal tem povoações como Palmeira e Pedra de Lume, mas sem dúvida que as mais importantes são Santa Maria e Espargo. A vila de Santa Maria é incontestavelmente uma criação do conselheiro Manuel António Martins. Basta dizer que quando ele ali chegou o lugar de tal modo não tinha nada, que funcionava como capela a câmara de uma galera que tinha naufragado e dado à costa, até que em 1857 se deu início à construção da igreja.
Após Martins a ilha passou por alguns momentos conturbados, incluindo uma revolta de escravos, ao que se dizia comandados pela sua viúva que viria a revelar-se uma verdadeira dama de ferro. Porém, em Maio de 1856 Sal foi atacada pelo escorbuto com tal intensidade, que a mortandade que começou a provocar fez com que grande parte da sua população fugisse para outras ilhas, muitos deles para S.Vicente como, por exemplo, as famílias Vera-Cruz e Sousa Machado. No final da doença, dos cerca de 1500 pessoas a população estava reduzida a 700.
Caídos em desgraça política e já economicamente depauperados, os herdeiros de Manuel António Martins começaram por associar-se em 1850 ao comendador António de Sousa Machado, genro do defunto e deputado às Cortes, dando origem à firma M.A.Martins & Sousa, sociedade que viria a ser judicialmente dissolvida em 1860. Em 1869 dois netos de Manuel Martins, os doutores António e João de Sousa Machado, criaram a firma Machados Irmãos, responsável pela edificação do bonito escritório de madeira sobre a ponte pertencente à família e também por eles reconstruída. Entretanto punha-se termo ao monopólio de exportação do sal pelos irmãos Machado, entrando também em serviço a firma Vera Cruz & Cª da propriedade do marido de uma das netas do conselheiro Martins. E foi nesse tempo que se descobriu sal em diversas partes da América Latina, o que fez com que a indústria da ilha decaísse consideravelmente por volta de 1884, tanto mais que o Brasil, um dos maiores consumidores do sal caboverdiano, tinha acabado por estabelecer pautas protecionistas como forma de desenvolver indústria similar no país.
De acordo com os apontamentos de Désiré Bonnaffoux, os herdeiros de Aniceto António Ferreira Martins acabaram por vender as suas explorações de Pedra de Lume a dois comerciantes, mas que também não tiveram melhor sorte na sua rentabilização. Razão por que estes igualmente viriam a vendê-las em 1919 à sociedade Salins du Cap Vert que iniciou uma intensiva exploração do sal, destinado à exportação para as colónias francesas e belgas da África.
Désiré Bonnaffoux, um culto e atento filho da ilha do Sal, não obstante a ascendência e o nome franceses, deixou uma preciosa descrição desse período intensivo: foi preciso construir alojamentos para duas centenas de trabalhadores, artífices, empregados e suas famílias, providenciar assistência sanitária, uma cantina, abastecimento de água potável, uma flotilha de lanchas e doca para as abrigar e carregar, oficinas mecânicas e carpintaria, uma central eléctrica, maquinaria para peneirar e pulverizar o sal... E também, invenção das invenções, um teleférico de 1100 metros de comprimento que transportava 25 toneladas de sal por hora desde as salinas de Pedra de Lume até ao cais de embarque, vencendo desse modo o que anos atrás tinha sido o calcanhar de Aquiles de Manuel António Martins na sua luta contra a cratera, a saber, conseguir dali elevar o sal.
Mas tudo isso implicando evidentemente grandes investimentos que deveriam ter como contrapartida a exportação de dezenas de milhares de toneladas de sal por ano. O que infelizmente não se verificava, pois que já havia muito sal espalhado pelo mundo. Pelo que a ilha continuou quase no seu rame rame, à espera de melhores dias. Que começariam a chegar com a instalação do aeroporto na localidade de Espargo, um planalto quase vazio que tirava o seu nome do facto de no tempo das chuvas ali nascerem grandes quantidades de espargo bravo.
Espargo surge cerca de cem anos depois de Santa Maria, quando algumas missões italianas fizeram diversas visitas às ilhas de Cabo Verde, com vista à escolha de um local para a implantação de um aeródromo destinado à escala de uma linha que propunham estabelecer entre a Itália e a América do Sul. Depois de avaliar algumas ilhas, nomeadamente a Boa Vista, acabaram por mais especialmente se interessar pela ilha do Sal, e passados 3 anos, desembarcaria o material destinado ao início das obras de construção do aeroporto: oficinas, central eléctrica, um posto de rádio, camiões... e também dirigentes, técnicos e operários que em menos de meia dúzia de meses montaram as edificações pré-fabricadas, prepararam uma pista, ainda que de terra batida, e instalaram diversos serviços: dois hangares para os aviões, oficina, rádio, meteorologia, armazéns, escritórios, hotel, locais de habitação, hospital – tudo isso numa planura na qual seis meses antes nem sequer havia um caminho de cabras...
No entanto, essa linha Roma-América do Sul apenas funcionaria até à entrada da Itália na guerra, em Maio de 1940, portanto só durante três ou quatro meses. Depois disso o aeroporto ficou imobilizado por todo o tempo que durou o conflito, findo o qual o governo português comprou a instalação ao governo italiano, introduziu-lhe melhoramentos consideráveis, como a construção de uma pista asfaltada de 2200 metros e procedeu à inauguração do realmente novo aeroporto no dia 15 de Maio de 1949, tendo como primeiro e principal cliente precisamente a linha italiana “Alitalia”.
Não obstante, durante muitos anos o Sal manteve-se apenas como um aeroporto perdido na desolação de um deserto castanho e confrangedor, um simples local de passagem que a brevidade das escalas não proporcionava a indução de qualquer outro tipo de desenvolvimento.
Porém, a independência nacional não lhe traria apenas a mudança de nome do aeroporto. Trouxe também a necessidade de se prestar uma maior atenção ao local que aos poucos foi sendo conhecido dos estrangeiros e rapidamente se começou a assistir a uma mudança na paisagem da ilha levando o Sal a entrar na senda do turismo onde navega de velas desfraldadas sobre grandes complexos hoteleiros, esperemos que rumo a bons portos.

S.NICOLAU – O terreiro das bruxas

Numa espécie de promontório sobranceiro ao mar no porto da Preguiça e guardado por oito antigas e ferrugentas bocas de fogo languidamente esparramadas na poeira vermelha como que banhos numa praia deserta, existe um padrão do tipo henriquino que diz que no ano de 1500, dia 22 de Março, passou ao largo da ilha de S.Nicolau a armada de Pedro Álvares Cabral na rota da descoberta das terras de Vera Cruz.
Germano Almeida
CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS (continuação)
À primeira vista pareceria mais lógico ver esse marco por exemplo na Ponta Calheta a leste, certamente que foi essa parte da ilha que Cabral avistou do mar. De todo o modo, não ficou memória de os da terra terem chegado a admirar a poderosa armada, e nem podia porque naquele tempo S.Nicolau ainda estava apenas povoada por cabras bravas. Assim, em princípio está garantido que os da ilha nada tiveram a ver com o misterioso desaparecimento da nau de D. Vasco de Ataíde, diz-se que para sempre extraviada nas nossas águas sem ter deixado qualquer rasto à superfície, nada absolutamente, sequer as famosas pipas de moscatel do torna-viagem que os entendidos afirmam adquirir sabores particulares e mais apetecíveis. O marco nada refere a respeito, mas sabe-se que, quando deu pela falta da nau, Cabral preocupou-se e logo ordenou dois dias de aturadas mas infelizmente infrutíferas buscas. Findas as quais rumou resolutamente para o seu destino, ainda Camões não existia mas na mesma outros valores mais altos já se alevantavam.
Por sorte, só dez anos depois chegaria gente à ilha de S.Nicolau levada da Madeira, de contrário os habitantes podiam ter corrido o risco de serem responsabilizados desse diabólico sumiço através das artes de bruxaria por que durante muitos anos foram acusados, e certamente condenados à fogueira, na altura ainda a Inquisição não tinha feito crescer o seu longo braço mas já era uma força temível.
Mas não se deve estranhar a colocação do marco nesse local, isto é, mais ou menos a meio da ilha. É que Preguiça, um porto com sete ou oito braças de fundo e com uma baía muito bem protegida, foi, até à construção do cais acostável no Tarrafal, o principal ancoradouro da ilha porque, além de muito seguro para os navios, possibilitava o fornecimento em água e víveres que eram adquiridos nos vales interiores da terra. Sobretudo depois de 1855, ano de grande carestia que antecipou a fome, a cólera e a mortandade de 1856, em que ali se construiu “um bello caes” sob a direcção gratuita do dr. Júlio José Dias, e “recebendo em paga o povo que ali trabalhava os mantimentos que o Governo enviava para a ilha”. De todo o modo, o ancoradouro da Preguiça fazia de S.Nicolau um razoável porto de escala, muito procurado pelos mercadores, mas também muito cobiçado pelos piratas.
Normalmente S.Nicolau é descrita como tendo uma forma externa irregular e desagradável ao observador que a contempla do mar. Curiosamente uma observação que já tinha sido feita a propósito de Santo Antão, e é certo que as duas ilhas são semelhantes até no pormenor de terem o interior composto de montes, montículos, serras, vales, algumas curiosas caldeiras de vulcões extintos e ribeiras no passado abundantes e férteis d’água.
Embora escarpada e árida, S.Nicolau possui não poucos lugares de beleza impressionante. Cito por exemplo o monte da Nossa Senhora da Cintinha, uma enorme rocha em forma de catedral que se ergue no meio da ilha com uma extraordinária majestade, mesmo na altiva decadência que a erosão vai a pouco e pouco provocando no seu corpo gigantesco. Pena é a capela construída no seu sopé, dizem que em homenagem à Senhora da Cintinha, que mais parece um pequeno brinquedo ali colocado para desfeitear a paisagem.
A ilha terá sido descoberta por Diogo Afonso em Dezembro de 1461, mas só em 1510 ali aportaram as famílias madeirenses que previdentemente já se faziam acompanhar dos seus próprios escravos. A grande riqueza agrícola de S.Nicolau fez com que fosse considerada como uma das mais importantes do arquipélago, especialmente após a importação de grande número de escravos da Guiné, circunstância que viria a transformá-la, até meados do século passado, no celeiro das ilhas do Sal e da Boa Vista.
Mas, como as demais, a sua colonização não foi isenta de percalços. Sofreu com violência a fome de 1720. No entanto, a que mais a marcou foi a medonha fome de 1773/75. Nessa altura já tinha uma população de cerca de 13.500 habitantes que por acção dela se viram reduzidos a menos de metade. A esses anos seguiram-se alguns de boas águas, a par de outros de grandes secas e fomes, até que a cólera mórbus, de que a ilha tanto tinha fugido em 1845 através de uma quarentena rigorosa dos navios que a ela aportavam, ali entrou de forma tragicamente triunfante em 1856 para impiedosamente matar cerca de 8.000 pessoas.
De modo que no ano de 1860 S.Nicolau só contava com 6.372 habitantes; em 1878 com 6.950 e em 1880 tinha uma população de 7.500 pessoas que aliás viria mais vezes a ser acossada pelas doenças e pela fome, como por exemplo a fome de 1900 ou a de 41/43 que matou cerca de um terço da população da ilha. Arsénio D. Firmino, foi administrador do concelho de S.Nicolau e em 1888 escreveu sobre a ilha e as suas gentes uma extensa e bela peça literária que acabou publicada no Boletim Oficial sob o inócuo nome de relatório. De algum modo o escrito de D.Firmino completa as observações do cónego Caetano, ainda que seja verdade que sobre alguns aspectos tenham os dois chegado a conclusões um tanto opostas. E é por isso que vale a pena comparar como um estranho e um filho das ilhas analisam a mesma realidade social. Diz, por exemplo, o cónego acerca das gentes de S.Nicolau: “Nos filhos da ilha reconhecemos habilidade, aparecem até algumas inteligências que, se fossem bem cultivadas e livres dos vícios de educação, dariam óptimos resultados. Gostam e são amantes das letras, mas repugna-lhes o trabalho, e dali a falta de aplicação; e contudo presumem de si um excesso, julgando-se muito sábios; são daqueles de quem dizia Séneca: saberiam mais se julgassem saber menos”.
E sobre os três grupos étnicos que identifica na ilha, observa: “Os indivíduos que constituem as duas primeiras raças (branca e preta) em geral são francos, leais, obsequiosos e lhanos no trato; os da terceira (mista de parda e mulata) ainda que aparentam aquelas qualidades, em breve deixam revelar a herança certa de ódio de raça que não podem vencer. É sobre ela que o estrangeiro deve estar de sobreaviso, com cuidado e sobriedade no trato para não ser iludido nem receber inesperados desenganos. Os traços característos das raças branca e mestiça são muito regulares: o cabelo quase liso e corredio, e o ângulo facial bem desenvolvido”. O pior defeito que o cónego encontra nos habitantes de S.Nicolau é a sua propensão para o ócio e serem “dados em excesso ao vício da embriaguês, donde provém a mania de pleitear, que muito transtorna a tranquilidade pública e o sossego doméstico”. Mas de resto, “são os habitantes da ilha muito hospitaleiros, afáveis com os estrangeiros e obsequiosos em suas relações mútuas, enquanto se não julgam ofendidos na sua demasiada susceptibilidade, o que é frequente pela natural desconfiança em que vivem com os europeus, e muito mais pela diversidade da língua, significação e interpretação contraria das palavras, porque muitos termos decentes, puros e castos do idioma português são entre eles obscenos e injuriosos”.
As palavras do cónego datam de 1879. O administrador Firmino escreve apenas 9 anos depois e tem sobre o outro a vantagem de ser filho da terra. Diz ele, por exemplo, que o povo de S.Nicolau era considerado como um dos mais civilizados do arquipélago, de tal forma que em tempos idos era tradicional falar-se da «nobreza de S.Nicolau» para se referir à fidalguia da generalidade da sua gente, sobretudo da classe abastada e mesmo mediana dos habitantes que tendia a seguir os usos e costumes europeus porventura herdados dos seus progenitores e gostava de importar belos e garbosos cavalos da ilha da Boa Vista.
Mas sem dúvida por efeito do distanciamento que essa “fidalguia” tendia a provocar em relação aos outros, amiúde os forasteiros queixavam-se de falta de amabilidade que se encontrava nas gentes de S.Nicolau, muito diferentes, lamentavam, das pessoas da ilha Brava, principalmente as mulheres. “Aqui tanto os homens como as mulheres são um tanto sombrios e muito propensos ao orgulho, quando supõem ser mal correspondidos”, refere o administrador Arsénio D. Firmino no seu texto, porém para acrescentar que o povo é em extremo bondoso, dócil, e submisso às leis e ordens emanadas de quaisquer autoridades. Raras vezes chega a haver da sua parte desacatos, abuso ou desvio ao respeito que deve à autoridade ou pessoas graduadas pela idade, posição individual ou oficial.
O administrador ressalva uma excepção a esse carácter ordeiro dos sanicolauenses, mas que no entanto só acontece na ocasião das operações eleitorais. Diz ele que nessa altura esse povo manso e cordato torna-se independentíssimo, soberbo e orgulhoso. Isso pode na verdade ser um tanto curioso, mas pudera, não é essa a única altura em que o povo sente que pode exercer algum poder! Mas no resto do tempo dispensa-se perfeitamente a força militar porque esse povo, com a lei e pela lei se governa, apesar, rematava ele, de alguns maus costumes que já vão aparecendo, importadas da vizinha ilha de S.Vicente.
S.Nicolau pode gabar-se de ter sido a primeira ilha de Cabo Verde a ter ensino “superior” com carácter de durabilidade. Isso com muitos protestos vindos um pouco de todos os lados, principalmente da Praia que não se conformava em ter perdido um liceu que parecia mais que instalado em Janeiro de 1861. Mas merece ser dito que não foi bem bem por acaso que o Seminário-Liceu apareceu ali estabelecido em 1867. É que não só desde 1851 S.Nicolau era cabeça da comarca de Barlavento, situação que durou até 1875, data em que foi transferida para Santo Antão, como também sempre tinha tido uma grande tradição de ensino, quer por iniciativa de particulares que tinham muitas escolas espalhadas pelo concelho e frequentadas por grande número de alunos, quer por obra do governo que já antes do seminário ali sustentava entre três a quatro escolas de instrução primária. Aliás, mesmo durante o periodo que durou o seminário continuou a haver três escolas de instrução primária elementar para o sexo masculino e uma para o sexo feminino, subsidiadas pelo governo, para além de uma quarta escola masculina sustentada pela câmara municipal. Todas, especialmente as masculinas, leccionando leitura, escrita, doutrina cristã, aritmética, sistema métrico decimal, gramática portuguesa e história. No dizer do nosso administrador, as escolas femininas é que não iam tão bem. Isso porque estavam directamente relacionadas com a maior ou menor ilustração das respectivas famílias que eram as únicas educadoras de suas filhas.
Mercê desse facto, era muito raro encontrar-se em S.Nicolau um homem do povo que não soubesse ler uma carta e escrever pelo menos o seu nome, e também fazer-se entender em português, circunstância que muito terá contribuído para o espírito empreendedor e grande inclinação para o trabalho que, pretende o nosso administrador em oposição ao padre, desde sempre distinguiu esse povo. Isso para além de um elevado espírito de curiosidade e vontade de experimentação, o que levou alguns cronistas, entre eles o cónego Caetano, a afirmar que cabe a S.Nicolau a glória de haver sido a primeira ilha em todo o arquipélago de Cabo Verde a fazer a tentativa de semear o arbusto do café, facto que com autoridade fixa em 1790, tendo sido a partir dali que foram mandadas sementes para Santiago, estendendo-se depois às demais ilhas. Bem, caso isso tenha sido verdade, não se passaram muitos anos para a cultura do café vir a ser preterida a favor da cana do açúcar e da vinha, das quais se fabricavam, e também se consumiam, grandes quantidades de aguardente e vinho. Porque, no dizer do administrador, esse povo saboreia com deleite a aguardente, a que chama patrícia, com a mesma voluptuosidade com que o inglês saboreia a cerveja e o cognac, e o bom português o seu carrascão. No dizer do povo, a aguardente serve de cura a toda a doença: se tem frio toma um cálice de aguardente para chamar o calor; e ao contrário, se tem calor, toma para refrescar; se sente dores no ventre toma aguardente para matar o bicho. Nas festas populares a aguardente é sempre indispensável, caminha na vanguarda de todas as outras coisas.
Mas não obstante essa forte ligação à instrução e ao conhecimento, diz o administrador Firmino que o povo continuava apegado ao fanatismo que exercia sobre ele uma grande preponderância. Claro, esclarece, que se refere aos menos ilustrados, e portanto aos mais bisonhos. Porque, com relação aos de idade juvenil, estes só se fazem de crentes quando estão em família com os seus maiores para os não desgostar, assim como quando estão na presença de algum professor que tem as mesmas ideias. Porém, esses tais bisonhos, acreditam, por exemplo, na feitiçaria, em bruxas, no defundo ou alma de outro mundo que volta a este para vir explicar o que deixou de fazer em vida, etc. Mas pondo de parte essas crendices e o uso da aguardente, conclui, é um povo laborioso como não se encontra outro igual, no geral civilizado, pacífico, obsequiador e hospitaleiro, que sabe receber bem em sua casa tanto gregos como troianos e sobretudo brioso no modo de proceder para com os compromissos a que se obrigava.
E num clima de gentes com tantos predicados, não é de estranhar o quanto os bispos vindos de Portugal ali se sentiam bem, e a instalação do seminário surgir como consequência lógica desse ambiente cultural. Com efeito, por volta de 1845 o nosso já conhecido e malogrado bispo D. Henriques Moniz tinha proposto ao governo a criação de um Seminário-Liceu na ilha Brava. Essa proposta não teve, porém, acolhimento favorável, se calhar porque o Governo ambicionava criar o seu próprio estabelecimento de ensino, o que, aliás, viria a acontecer na dita ilha Brava em 1847 por directa influência da rainha D. Maria e sob a direcção do primeiro-tenente Dantas Pereira, com a criação da Escola Principal de Cabo Verde.
Graças, porém, à acção do nosso já conhecido governador Januário Correia de Almeida, aconteceria a instalação do Liceu Nacional de Cabo Verde, inaugurado na Praia, como conta Francisco Lopes da Silva, com desusada pompa e no meio de salvas de canhões, como forma de dar a maior publicidade a evento tão importante e certamente com intuito de fazê-lo perdurar.
Mas infelizmente em vão, não serviu de nada, esse liceu viria a ter vida efémera, no ano seguinte já não existia, por falta de instalações e dinheiro para pagar aos professores. Ora o seu encerramento abriu de novo o caminho às pretensões da igreja que desde os tempos de Filipe I sonhava com um seminário em Cabo Verde. E de facto, logo que foi confirmada pelo papa Pio IX a escolha do rei D.Luís I da pessoa do bispo D.José Alves Feijó para dirigir a diocese de Cabo Verde, este dirigiu-se ao ministro e secretário d’estado dos negócios da marinha e ultramar, na altura o escritor Mendes Leal, homem de cultura, poeta e romancista afamado e membro da Academia Real das Ciências, solicitando os seus bons ofícios no sentido da criação de um seminário-liceu em S.Nicolau, na altura, lembre-se, cabeça da comarca de Barlavento. Mendes Leal mostrou-se sensível ao pedido e, dos seus esforços, resultou a criação desse estabelecimento de ensino por decreto de 3 de Setembro 1866.
O seminário tinha oito professores que ensinavam as mais diversas disciplinas, como, por exemplo, latim, retórica, história, filosofia, matemática, para além de português e francês, sem contar com as disciplinas da teologia. E proporcionava instrução não só às gentes de Cabo Verde, idos de quase todas as ilhas, como também da Guiné e muitos até vindos da metrópole, cumprindo assim o papel inicialmente destinado ao Liceu Nacional de Cabo Verde, isto é, preparar pessoal para os mais diversos destinos, mas sobretudo para aquilo que Nobre de Oliveira chama e bem a caboverdianização do funcionalismo público de Cabo Verde, levando a uma espécie de emancipação administrativa da colónia a nível do pessoal.
A instauração da República em 1910 não foi saudável para a continuação esse tipo de ensino. E com efeito, a extinção do seminário viria a ser decretada em 1917, é verdade que com o protesto generalizado de todos os caboverdianos ilustrados que, não obstante os seus defeitos, nele reconheciam extraordinária importância, pois que o seu contributo para a instrução em Cabo Verde era inestimável.
Para substituir o seminário-liceu, seria criado em 1925 o Instituto Caboverdiano de Instrução, também ele sediado em S.Nicolau e “nos edifícios e propriedades do antigo Seminário” que o Governo cedia para esse efeito sem qualquer renda, tendo como função ministrar o curso geral dos liceus, além da instrução primária.
Poderia ter sido uma maneira de reparar o erro da liquidação do seminário, se o Instituto não viesse por sua vez a ser extinto em 1931, com a justificação da necessidade de se utilizar as suas instalações para nele serem alojados os presos políticos enviados para Cabo Verde na sequência do golpe militar de 28 de Maio.
E assim deixou de haver ensino secundário em S.Nicolau até 1973, ano em que ali se criou uma secção da Escola Preparatória do Mindelo. Mas seja como for, S.Nicolau não é importante apenas por causa da passagem nas suas águas de Pedro Álvares Cabral na viagem de que viria a resultar o nosso conhecimento do milho e a invenção da cachupa. É-o também pelos filhos ilustres que a ilha e o seu Seminário- Liceu deram a Cabo Verde e que souberam honrar a nossa terra e a nossa cultura. Nomes como José Lopes da Silva, Pedro Monteiro Cardoso, Juvenal Cabral e Baltasar Lopes da Silva, entre outros, pertencem ao nosso património e são o orgulho da nossa nação.

S.VICENTE - a miragem do paraíso

Pretende-se que S.Vicente terá sido descoberta em 1462 por Diogo Gomes, escudeiro do infante D.Fernando a quem ficou pertencendo por doação de D.João II, o rei seu tio. Foi inicialmente outorgada aos duques de Viseu que, porém, não ligaram qualquer importância à questão da sua ocupação, situação que se manteve mesmo depois de, por herança, ter passado para a propriedade do rei D.Manuel, pelo que por muitos e muitos anos a ilha ficou relegada à humilde condição de simples campo de pastagem do gado de alguns proprietários de Santo Antão e S.Nicolau. Aliás, S.Vicente seria a última das ilhas do arquipélago a ser povoada, e a generalidade dos estudiosos está de acordo em como ainda hoje ela não seria muito diferente de Santa Luzia, não tivesse a natureza lhe dotado de uma baía sobre todas superior e, principalmente, fora das rotas das areias que acabaram assoreando o porto de Sal-Rei, e também não tivessem os ingleses precisado impulsionar a neocolonização dos países do atlântico sul para ali colocarem as excedentárias produções das suas fábricas. Por exemplo, ainda em 1840 alguém escrevia sobre S.Vicente: O aspecto da ilha é horrível, por ser cheia de fragas e penhascos e no interior é árido o terreno; na praia há um poço chamado a “Mateota”, onde os navios fazem aguada e uma pequena nascente a meia légua do Porto no sítio chamado o Ribeirão. Tem cousa de 200 homens muito pobres que ali guardam cabras. Pode produzir muita purgueira e algodão.

Germano Almeida

CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS (continuação)
Com efeito, desde sempre que o farto abrigo representado pela sua baía foi cobiçado pelos estranhos e mesmo usado à revelia das autoridades portugueses que não dispunham de meios suficientes para cuidar de todas as suas possessões. Assim, não poucos corsários se serviram dela como porto de descanso e de espera para as suas actividades, e em 1624 foi ali que se reuniu a armada holandesa de vinte quatro velas, sob o comando do almirante Jacques Guilherme, cujo destino não era outro senão a conquista da Baía de Todos os Santos, no Brasil. Também servia de refúgio aos baleeiros durante a sua faina, e o francês François Frezier permaneceu na ilha durante grande parte do ano de 1712, tempo que aproveitou para desenhar e traçar a planta da baía e do canal entre S.Vicente e Santo Antão. De todo o modo, o desleixo do governo da Metrópole relativamente às ilhas desertas era tal, que se afirma que navios completos pertencentes a estrangeiros chegaram a ser construidos à mais completa revelia das autoridades. É que a aridez de S.Vicente era por si só desencorajante, mas por outro lado havia grande interesse dos criadores de gado no sentido de a ilha não ser povoada.
Na sequência da ascenção dos liberais ao poder em Portugal, o coronel Joaquim Pereira Marinho é nomeado governador de Cabo Verde em Setembro de 1835. E no ano seguinte o inglês John Lewis visita S.Vicente com o objectivo de avaliar as condições do porto para servir de ponto de escala aos navios da inglesa Companhia das Índias.
S.Vicente tem na época pouco mais de 340 habitantes, mas Marinho é um apaixonado da ideia de Cabo Verde girar à volta do Porto Grande e começa a instar junto do Governo da Metrópole para que a capital seja ali estabelecida. E acaba por ver o seu entusiasmo recompensado quando finalmente em Junho de 1838 recebe decreto ministerial e portaria régia a autorizar a mudança da capital da Praia para S.Vicente.
Há, porém, atrasos a impedir esse acto político, mas há sobretudo uma grande resistência dos defensores da continuação da capital na Praia que, dizem, apenas precisa de alguns melhoramentos a nível sanitário para ficar habitável. De modo que essa mudança acabará afinal por nunca se concretizar, um bom bocado também por um posterior arrefecimento do entusiasmo do próprio Marinho.
De todo o modo, nesse ano de 1838 a companhia inglesa East Índia estabelecia em S.Vicente o primeiro depósito de combustível, ao mesmo tempo que na Metrópole o marquês de Sá da Bandeira decretava “que se funde na ilha de S.Vicente uma povoação com o nome de Mindelo, em memória do desembarque do exército expedicionário de D. Pedro IV nas praias do Mindello em Portugal”. Nessa época, e pelo menos até 1852, ainda “Mindelo não passava de um areal à beira-mar, com poucas casas e na maior parte palhotas”. No entanto, em Novembro desse mesmo ano remete-se de Lisboa a planta da futura cidade.
A carvoeira East India chegou a instalar-se em Mindelo, porém teve presença efémera, substituída em 1850 pela Royal Mail que inicia a instalação no Porto Grande dos depósitos de combustivel para abastecimento da navegação com destino ao atlântico sul.
E por causa disso, logo se torna necessário dotar a ilha de alfândega própria, razão por que em Março de 1852 o Governo desanexa S.Vicente de Santo Antão, constituindo-o em concelho independente. Tanto mais que no ano seguinte a companhia inglesa Visger & Miller instala novo depósito de carvão de pedra.
Desde Julho de 1851 que tinham ficado isentos de pagamento de direitos os diversos materiais destinados à edificação de prédios urbanos que ali dessem entrada para esse efeito e, certamente que por pressão dos ingleses, por portaria de 10 de Março de 1857, é abolida de facto a escravatura em S.Vicente e no ano seguinte em S.Nicolau e Santo Antão.
Os dados ficam, pois, lançados para o início dos considerados tempos áureos de Mindelo, embora um americano que visitou o burgo em 1855, o tenha descrito como uma colecção de pequenas cabanas de pedra, cercadas por montes e vales, verdadeiros exemplos de aridez. No entanto, em 1858, ano em que foi elevada à categoria de vila, Mindelo já possuía 4 ruas, 4 travessas, 2 largos e 170 habitações, e a sua população estava calculada em 1.400 habitantes.
O grande problema de S.Vicente era a água, na maior parte importada do Tarrafal de Santo Antão. Uma comissão constituída para estudar as possibilidades de abastecimento da vila do Mindelo através da canalização das águas das nascentes do Madeiral e Madeiralzinho, declarou com alguma precipitação que tal não seria rentável pois que eram insuficientes para abastecer a população e ainda fazer a aguada dos navios. Mas certamente que em desespero de causa, em 1870 o governador geral foi autorisado pela Metrópole a celebrar com Jorge e João Rendall, Manuel Gomes Madeira e Aleixo Justiniano Sócrates da Costa, um médico-político-literato que vivia pelas ilhas, um contrato para a canalização dessas águas rumo à vila.
Mas outros progressos iam também acontecendo: a 18 de Março de 1874 seria amarrado na praia da Matiota o primeiro cabo submarino ligando a ilha à Europa e América e, com a instalação no Porto Grande dos depósitos da Cory Brothers & Cª em 1875, Mindelo passa a ser considerado o maior porto carvoeiro no médio Atlântico.
Nessa época já era uma vila asseadíssima, alumiada por 100 candieiros de petróleo, e dotada não só de belos edifícios públicos,(igreja, palacete do governo, paços do concelho, quartel, alfândega com seu cais, ponte de madeira e caminho de ferro, para além do mercado em construção)mas também de algumas casas particulares “onde não falta o conforto, podendo chamar-se o segundo foco da população e civilização da província”. Aliás já em Janeiro de 1873 o Conselho da Província tinha estabelecido a obrigatoriedade de os habitantes do Mindelo plantarem uma árvore no seu próprio quintal, por cada três metros quadrados de terreno ocupado. Assim, em 1879, época em que já tinha 27 ruas, uma praça (a célebre praça D.Luiz alumiada por um bonito candelabro), 5 largos, 11 travessas, um beco e 2 pátios, quase todas calçadas e arborizadas e iluminadas por um total de 120 candeeiros de petróleo e uma população de 3:300 habitantes, foi formalmente elevada à dignidade de cidade.
A nível do comércio e de serviços a cidade estava provida de um armazém de venda por grosso da casa Millers, que fornecia não só aos negociantes da terra como também a muitos das ilhas; três lojas de fazendas, mercadorias e bebidas, com venda por atacado e a retalho; onze lojas de fazenda de primeira ordem com venda a retalho; quinze lojas de fazenda de segunda ordem; cento e oito tabernas; sete padarias; dois talhos; cinco casas de comida; três hotéis com casa de pasto e dois botequins com jogo de bilhar. A água à cidade é que continuava a ser fornecida por poços, sendo 13 públicos e 22 particulares.
Mas não só em infraestruturas crescia a cidade. A instrução era também objecto de cuidados e funcionavam escolas de instrução primária para o sexo masculino e outras para o sexo feminino, para além de ensino particular de francês, inglês e escrituração comercial, tendo mesmo os alunos da escola municipal formado uma “filarmónica de música marcial que, se não é boa, atenta a idade dos executantes, pode considerar-se bastante sofrível”. A 10 de Junho de 1880, dia do tricentário da morte do épico Camões, inaugurou-se a escola do seu nome, destinada ao sexo feminino, e também a biblioteca pública, ainda que a mesma só viesse a realmente ser posta à disposição do público a partir de 1 de Outubro de 1887, porém já com mais de mil volumes, todos adquiridos através de dádivas dos munícipes. Nessa data de 1880 foi também lançada a primeira pedra para a construção do hospital da ilha.
E finalmente em 1886, precisamente a 27 de Maio, chegava canalizada até à cidade as águas do Madeiral e do Madeiralzinho, a que se juntaria, quatro anos mais tarde, a chamada água do Norte, cuja exploração fora concedida a Augusto da Silva Pinto Ferro, John Visger Miller e John Hollway, cumprindo desse modo, no dizer do administrador Botelho da Costa o ditado popular, “não há falta que não dê em fartura”, sobretudo porque em Janeiro de 1891 acaba-se por se negociar a junção das duas concessões numa única exploração que fica com o nome de “Empresa das águas da cidade do Mindelo” e cujos depósitos são ligadas entre si por canalização, e o público maioritariamente servido pelo construído no do largo do Madeiral que “se compõe de um vasto e elegante reservatório de água com dois compartimentos, tendo anexo um recinto ajardinado, gradeado de ferro, onde se encontra um repuxo, e dois pavilhões servindo de habitação do guarda do depósito e arrecadação de ferramentas. Neste jardim há um tanque com seis bicas onde vai encher o povo. Como dependência deste depósito e comunicando-se por canalização com o mesmo,há uma ponte bem construída, com o seu respectivo cais, paralela à ponte-cais da alfândega, onde atracam as embarcações que recebem aguada para os navios”, escreve Botelho da Costa num dos seus relatórios sobre a ilha, acrescentando que apenas num periodo de 42 anos se transformou na actual cidade do Mindelo a insignificantíssima povoação de nome Leopoldina. Opinião que, porém, não é partilhada por João Augusto Martins que em 1891 observa a cidade com mordaz ironia: “Tem bons edifícios, tem uma boa casa da câmara, tem mercado, tem praças, tem um péssimo hospital em exercício e um monstruoso em construção, tem um palácio raquítico para os governadores e um quartel de aparência e condições regulares para tropas”.
De todo o modo, em 1899 a Revista de Cabo Verde insinua a criação de um liceu em S.Vicente, e em 1900 os habitantes da ilha dirigem um memorial ao ministro da Marinha e do Ultramar mostrando-lhe a necessidade de estabelecer na ilha um escola de instrução secundária e uma outra para o estudo das línguas estrangeiras.
Porém, a partir dos finais dos anos oitenta do século XIX o Porto Grande começa a ser confrontado com o problema da falta de procura externa e consequente desemprego que conduz ao mais desenfreado alcoolismo.
E pouco e pouco a situação da população vai ficando cada vez pior, a ponto de uma comissão de operários da cidade ter tido a iniciativa de apresentar à Câmara uma petição, assinada por numerosas pessoas, na qual solicitava ao Governador que proibisse a entrada de toda e qualquer aguardente em S.Vicente, quer provincial quer de origem estranha, “cujo consumo representa para os pobres nada menos que um crime de lesa-humanidade”.
A surdez do governo central ao drama de Cabo Verde em geral e de S.Vicente em particular, conduziu um povo já cansado de esperar a finalmente reclamar justiça no dia 7 de Junho de 1934 saindo pelas ruas da cidade, gritando a sua fome e depois saqueando as lojas e armazéns do Estado e de alguns comerciantes locais. Feito, sem dúvida, memorável, pois que não há, na dolorosa história das nossas ilhas, nenhum outro exemplo do povo de Cabo Verde a exigir em confronto aberto com o poder o seu direito a uma existência digna.
Vista à distância, a história de S.Vicente pouco mais parece que uma sucessão de desastres, se se exceptuar o facto de o porto carvoeiro e tudo que a ele ficou associado em termos de grandeza e miséria, ter tido o poder de criar nos filhos de todas as ilhas que ali se juntaram uma grande consciência de identidade local que as crises e também as desatenções do poder mais não têm feito que aprofundar.
No presente o povo de S.Vicente é sem dúvida o mais livre de Cabo Verde, liberdade que lhe advém do total despojamento que se pode surpreender nas novelas de Aurélio Gonçalves, o escritor que mais atentamente procurou entrar na alma de uma gente que vive o desencanto com mais alegria que fatalismo. Marx bem que poderia ter estado a pensar nesta cidade quando escreveu acerca dos proletários que nada têm a perder e um mundo inteiro a ganhar, com a diferença de que este povo sabe que não tem mais nada a ganhar para além do que consegue para o seu passadio diário. Mas é isso mesmo que faz dele um povo de anarquistas, impossivel de ser contido à volta de um qualquer ideal, a menos que o limite desse ideal não ultrapasse o imediato, porque mais inconscientemente que consciente, ele aprendeu à sua custa que o amanhã, ou não lhe pertence ou pode ser bem pior que o hoje, e por isso pouco se preocupa com ele. Nos vida é ganhá, gastá/sem pensá na dia de manhã, traduz bem a realidade do seu desencantamento.
Desencantamento das suas ilhas de origem que não lhe proporcionaram condições de sobrevivência, mas também desencanto com a miragem desse paraíso que, como disse alguém, afinal se acabou revelando para a maioria um pequeno inferno. Mas de qualquer modo, é esse desencanto na esperança de uma vida de felicidade que faz do homem de S.Vicente um ser livre quase até à soberba, que aprendeu a sobreviver de expedientes diversos, quer seja do jogo, quer seja do empréstimo, quer seja das pequenas trapaças que lhe vão garantindo o dia-a-dia. E talvez por influência de um porto que em cada dia o metia em contacto com gentes das mais diferentes latitudes, é igualmente um povo que encara as mudanças, seja qual for a sua natureza, com um optimismo capaz certamente de fazer arrepiar os cabelos a um nativo da conservadora Boa Vista.

SANTO ANTÃO – os grandes abismos sob o céu

Mesmo que não fosse por mais nada, a ilha de Santo Antão sempre acabaria por ter lugar cativo na História. É que ela foi o ponto escolhido para servir de partida de uma das famosas linhas de demarcação usadas para separar o que deveria ficar como possessões de além mar dos portugueses das que eram para os espanhóis, numa primeira versão da partilha que anos depois viria a ser consagrada no célebre tratado de Tordesilhas confirmado pelo papa Alexandre VI em 1493.
Germano Almeida
CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS (continuação)
Com 300 milhas quadradas de área, Santo Antão é a maior ilha depois de Santiago.É recortada por altos e imponentes rochedos perpendiculares que se ainda no presente têm o inconveniente de não permitir que a ilha seja melhor servida de estradas, tiveram no passado a grande vantagem de ajudar os habitantes a se defenderem de não poucos invasores. Sobre ela se escreveu em 1840: A ilha de Santo Antão é excessivamente montuosa e d’um aspecto horroroso, principalmente para quem está fundeado, pois parece uma massa informe de rochedos a desabar sobre a embarcação. Bem, sem dúvida alguém que não soube apreciar a solene majestade daquele belo animal em gigantesco repouso!
É uma experiência única atravessar Santo Antão saindo de Porto Novo até chegar a Ponta do Sol. Vai-se subindo a serra agreste, muitas vezes penosamente, os próprios carros como que resfolegam à beira do estertor na pressão das curvas e contra-curvas, e fica-se a pensar em quanto esforço e sacrifício, inclusivamente de muitas vidas de trabalhadores anónimos, não foram necessários para se conquistar à Natureza dura e seca aquela estrada de três metros de largura e quarenta quilómetros de comprimento. Porém, quando se atinge o alto, a paisagem muda como que por milagre para uma beleza de um verde quase deslumbrante. Ali foi o único lugar onde os pinheiros portugueses conseguiram criar raízes e aguentar as violências do nosso clima e foi ali também que por volta de 1816 se estabeleceu uma colónia de espanhóis vinda das Canárias, e que naqueles terrenos deram início ao cultivo do trigo, da cevada e do centeio, para além de outras plantas tidas na época como exóticas.
A seguir inicia-se a descida rumo à vila de Ribeira Grande, ainda hoje chamada de “Povoação”, embora tivesse começado por ter o nome de Santa Cruz, diz-se que em homenagem aos condes de Santa Cruz, antigos donatários da ilha. Situada no cruzamento dos caminhos que conduzem aos vales de Paul e de Chã de Pedra e também ao planalto de Ponta do Sol, Povoação era em 1732 a mais importante aldeia da ilha, possuindo um total de 16 ruas, “as quais são muito estreitas e guarnecidas de casas de pedra e barro e em geral, ainda que algumas são rebocadas e caiadas, cobertas em parte com telhas de madeira chamadas conchas, que importam da américa, ou com folhas a que dão o nome de soca”. Não obstante, foi nesse ano elevada à categoria de vila com o nome de Ribeira Grande, e em 1875 já era considerada amena e de ruas largas e arborizadas, isso mercê dos trabalhos nela levados a cabo com vista ao seu melhoramento sanitário e urbanístico.
Só muitos e muitos anos depois de ter sido descoberta, a ilha de Santo Antão começaria a ser povoada. Com efeito, Diogo Afonso tê-la-á encontrado entre 1460/62, mas só por volta de 1548 teria os seus primeiros habitantes, e mesmo assim apenas escravos negros levados da Guiné. Isso porque era considerada excessivamente distante das ilhas já habitadas, no caso, Santiago, Maio e Fogo, ou seja, as ilhas para onde existiam carreiras de navegação.
A ocupação apenas com escravos não resultou de obra de acaso, parece que os primeiros donatários não quiseram saber de europeus nas suas terras. É que não só eram muito exigentes, apressados que estavam em enriquecer, como também não aguentavam a mais pequena moléstia. De todo o modo, esse tipo de colonização não foi uma boa experiência. É que, abandonados a si próprios, os escravos meteram-se no exclusivo cultivo da vinha e depois nos copos e relaxaram os demais trabalhos, tendo chegado em breve tempo a grande estado de degredação e até quase de barbarismo. Hábito, aliás, que o passar dos anos de forma alguma melhorou, antes pelo contrário, facto que certamente terá levado o administrador da Ribeira Grande, Francisco Tavares de Almeida, a escrever em Abril de 1888 no relatório ao Governador Geral sobre o estado do concelho que “é a embriaguês o vício que predomina neste povo. Encontra-se o bêbado por toda a parte e as estatísticas mostram que é a bem dizer a causa primordial da maior parte dos crimes. É que o povo deste concelho, com honrosas excepções, reputa a aguardente como género de primeira necessidade; os pais ensinam os filhos ainda de terna idade, a tomarem o seu grog, e o próprio sexo frágil não desdenha um copo de límpido licor, quando é límpido, o que nem sempre acontece.”
Mas sem dúvida que Tavares de Almeida estudou bem o povo de Santo Antão enquanto ali permaneceu, surpreendendo muito bem tanto as suas virtudes como também os seus defeitos. Escreveu, por exemplo: “Nenhum povo mostra mais desejos de adquirir instrução; os pais não se limitam a mandar seus filhos aprender ler, escrever e contar, querem que eles adquiram o maior número de conhecimentos possivel.” E também: “Outro vício muito vulgar é a tendência para se apossarem do alheio; o objecto achado raras vezes é entregue a seu dono; os animais são contramarcados; as marcas arrancadas dos limites das propriedades, afim de se apossarem de mais algumas pollegadas de terreno; os frutos são roubados antes do estado de maturação. E tudo isto dá em resultado um sem número de questões difíceis de resolver, pois autores e réus se acham sempre possuidos do mesmo desejo, a posse do alheio. O testemunho falso está também no carácter do povo, e nenhuma testemunha vacila em dar um falso juramento, contanto que dele advenha benefício ao amigo ou prejuízo ao inimigo.”
Talvez por causa do seu isolamento, frequentemente a ilha foi vítima das violências dos corsários. Ficou célebre para a história a invasão do francês Dugnay-Trouin em 1712. Dugnay comandava uma esquadra e diz-se que desembarcou numa prainha entre a aldeia de Tarrafal e a de Sinagoga e rumou para a vila da Ribeira Grande que saqueou enquanto os desarmados habitantes guindavam em fuga pelas rochas acima. Tendo juntado tudo que de algum valor encontrou nas residências das pessoas abastadas, Dugnay marchou de seguida para a povoação de Ponta do Sol onde sabia que também se situavam casas abastadas.
Não contava, porém, com a fúria que tinha desencadeado na população que obrigara a trepar pelas fragas. De modo que, comandados por um padre, do alto dos desfiladeiros que dominam o caminho seguiram-lhe a marcha e quando ele e as suas tropas entraram numa mortífera passagem, provavelmente a conhecida Tatchinha, foram atacados com enormes blocos de pedra que os coléricos habitantes sem piedade fizeram rolar sobre eles e que completamente os esmagaram.
Nesses tempos Santo Antão possuía muita vinha, principalmente na Ribeira das Patas, e produzia bastante vinho, pipas e mais pipas de um vinho chamado mijarela, tão suave como o vinho verde do Minho, diziam os entendidos. E a terra era tão boa e as vides tão parideiras, que chegavam a fazer duas colheitas anuais. Mas não só isso, os chamados frutos tropicais igualmente encontraram terreno propício na ilha, tendo largamente desenvolvido e produzido a laranjeira, a goiabeira e a bananeira. E também se fazia a cultura do cacau, do amendoim e do trigo, sem já falar do dragoeiro, da purgueira e da urzela que exportava em grande abundância. A laranjeira, então, existia ainda nos finais do século XVIII em tão grande quantidade que a sua madeira era a utilizada na construção de embarcações.
“Sendo a ilha de Santo Antão uma das mais férteis da Província, pois goza da vantagem de ter abundantes nascentes d’água, escreveu alguém em 1840, é uma das mais desgraçadas, e são seus habitantes umas das primeiras vítimas da fome; eu os considero verdadeiros tântalos em o meio d’um país apto para todo o género de cultura, porque as terras de regadio são quasi exclusivamente empregadas com vinhas de que colhem anualmente para mais de mil pipas de vinho péssimo, que em sua máxima parte se consome na ilha, alimentando a ociosidade, a embriaguês e o ócio; e os terrenos áridos, que carecem de chuvas para produzir, são as que aproveitam para plantar algum milho, mandioca, etc, o que é a causa de tantas desgraças no tempo da fome, como nas ilhas que necessitam das chuvas para se alimentarem por carecerem de mananciais d’água”. Esse fulano tinha razão, porém a defesa da propriedade privada tinha como apanágio o direito de usar, fruir e abusar do bem, e daí que a imposição pelo Estado de tipos de culturas seria uma conquista de muitos anos depois, quando finalmente se se compenetrou e em certa medida se assumiu que a propriedade, ainda que privada, continua tendo uma função que acima de tudo deve ser social. De modo que nesse tempo a única medida que se conseguiu tomar para combater esse mal foi pensar em tornar o vício o primeiro tributário, obrigando-o assim a concorrer para o bem estar do município. Pelo que em 1843 o Governo da Província mandaria cobrar um imposto especial sobre todo o vinho ou aguardente consumido na ilha, quer fosse de produção local ou importado, devendo o produto desse imposto ser aplicado exclusivamente nas despesas municipais.
Penetrando a Ribeira Grande para oeste, vai-se encontrando povoações: Coculi, João Afonso, Chã de Pedras, Caibros, Garça e outras, todos pequenos locais de alguma concentração urbana devido às terras aráveis da zona. As estradas são péssimas, cortadas no leito das ribeiras, quando chove ficam completamente impraticáveis, a única montada que opera com algum à vontade nessas paragens é a mula.
Do outro lado da ilha, a leste, fica o Paul. Paul significa terreno alagadiço, pantanoso! E foi esse o nome escolhido para o vale de grande fertilidade que, tal qual a Ribeira Grande, fica situado também entre montanhas, ainda que menos hostis. Aliás a própria configuração da zona ajuda nesse sentido. Porque enquanto que as montanhas da região da Ribeira Grande são abruptas e cortadas a pique, Paul mais parece uma longa ladeira, um grande e imponente colosso deitado de costas num eterno repouso, de longe a longe pequenos regatos de água saindo das crostas rochosas do fabuloso corpo para alimentar as plantações de cana sacarina e bananeiras. Noutros tempos havia outras espécies de frutas como por exemplo a laranja, muito afamada e apreciada pelos ingleses que importavam toda a produção. Isso sem já referir a sua imensa riqueza em café, chegou a exportar 24 mil arrobas, sem contar com o consumo interno.
E era fatal que essa relativa abundância de águas numa terra quase toda seca despertasse o interesse, se não mesmo a cobiça das pessoas, e é verdade que uma considerável elite europeia se instalou no Paul, tendo em mira a excelência do seu terreno, produtor entre outras coisas de um grogue de alta qualidade.
O desenvolvimento da região fez com que o concelho de Paul viesse a ser criado em 1867 por ordem das Cortes Gerais de Portugal, não obstante as não poucas influências que se moveram contra a sua existência. Com efeito, só em 1870 esse decreto seria publicado no Boletim Oficial de Cabo Verde e implementado.
Foi, porém, um processo confuso, o da vida e extinção desse concelho, que se confirmaria através de uma duvidosa reforma administrativa levada a cabo em 1893, conforme aliás se encontra bem documentado no livro “Geração Dourada” de José Manuel Pires Ferreira. De todo o modo, a expansão da vila de Ribeira Grande será sempre condicionada pelo entalo das serras. Daí que em 1864 se tenha mandado proceder à elaboração do Plano de Edificação da Povoação da Ponta do Sol da Ilha de S. Antão “a fim de que ninguém pudesse ali edificar sem se conformar com o mesmo plano”, primeiro passo para a deslocação em Dezembro de 1874, da cabeça de comarca de Barlavento, de S.Nicolau para Santo Antão. Em 1885 seria criada a vila Maria Pia nesse local de Ponta de Sol e para lá transferida a sede do concelho que por sinal viria a ser instalada num dos mais belos edifícios construídos em Cabo Verde e destinado a paços do concelho, numa zona ainda hoje soberba e tendo como vizinhos uma solene igreja e o alegre edifício da enfermaria regional.
Mas Santo Antão nunca foi nem é só verde. Como todas as outras ilhas, esteve e está também sujeita às crises nacionais. Por exemplo, a de 1823, de particular violência e que ficaria conhecida como a fome do pai Thomaz. O então governador-geral Pusich, eterno sonhador da colonização de S.Vicente, aproveitou-a para convencer as famílias que viviam na miséria a mudarem para esta ilha, mas na verdade ainda S.Vicente continuava longe da sua hora.
O chamado processo de Reforma Agrária de 1981 veio mostrar que em nenhuma das outras ilhas o homem está tão ligado à terra como em Santo Antão. Pode-se mesmo afirmar que a necessidade de posse da terra, da cultura rural, impregna com a mesma força todo o homem de Santo Antão, seja ele possuidor, seja ele o mais humilde trabalhador do campo, porque todos acreditam que o único meio de um homem se realizar como pessoa é através dos fortes laços da propriedade fundiária. É neste sentido que Santo Antão é uma ilha que não aceita sequer discutir seja o que for que de perto ou de longe possa colidir com o direito de apropriação privada da terra que considera tão fundamental como o direito à vida, fazendo por conseguinte que neste aspecto seja uma sociedade conservadora até ao exagero.

O tempo dos intelectuais

 

Muitos dos nossos poetas do séc XIX, quase todos eles intelectuais de sólida cultura adquirida no Seminário-Liceu de S.Nicolau, insistiram em recuperar a favor de Cabo Verde a clássica designação de ilhas hespiritanas, o mitológico jardim da Atlântida que os deuses costumavam usar para o seu repouso.

Por: Germano Almeida

CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS({{continuação}})
Uma explicação plausível para tal excesso poderá advir do orgulho no caldeamento humano que os longos séculos foram forjando no penoso ambiente das ilhas, na crua realidade de um dia-a-dia de contínua luta contra as secas e as suas mortíferas consequências. E foi a chocante realidade desse secular cortejo de misérias que ora empurrava o homem caboverdiano para a morte, ora o forçava à emigração, ainda que fosse apenas para a desenfreada exploração das roças de S.Tomé, que um grupo de intelectuais nacionais tentou denunciar através da revista Claridade, na sequência dos desesperados desmandos dos famintos de 1934.
Claridade não era uma ideia em si nova, excepção feita aos temas que tratou. Ao longo dos anos precedentes indivíduos como Eugénio Tavares, José Lopes, Loff de Vasconcelos, e especialmente Pedro Cardoso e o seu famoso O Manduco, para apenas mencionar esses, tinham-se esforçado por denunciar as dolorosas e degradantes condições de vida em Cabo Verde.
Com excepção de Pedro Cardoso, os intelectuais dessa época eram descendentes directos de portugueses por qualquer razão radicados em Cabo Verde, educados como portugueses, razão por que se sentiam e se consideravam portugueses tal qual os da Metrópole. Para eles Cabo Verde era uma parcela portuguesa onde as condições de vida eram humilhantes, onde as fomes e outras misérias destruíam o homem, razão por que a luta que travaram para pôr cobro a isso tudo foi sempre dentro do quadro de um Cabo Verde parte integrante da Mãe Pátria. Nunca nenhum deles chegou a seriamente teorizar a ideia de um Cabo Verde independente.
E daí, por consequência, o seu ofendido escândalo quando se falou em Portugal da hipótese de vender algumas das suas colónias para pagar as dívidas do Estado, tal qual tinha feito a Espanha com Cuba, Porto Rico e Filipinas. Para esses portugueses de Cabo Verde foi sobretudo um choque, cujos efeitos, aliás, persistiram muito para além das suas vidas porque, ainda que lentamente, conduziram os intelectuais do futuro a assumir e a postular a verdade de os caboverdianos serem diferentes dos portugueses. Loff de Vasconcellos viria a ser o arauto daquilo que sobretudo foi visto como uma ofensa aos caboverdianos: “Feridos profundamente no nosso duplo patriotismo de português e de africano, não podemos deixar de patentear o nosso desgosto, o nosso pesar, ante essa ideia, que... reputamos fundamentalmente afrontosa para o brio nacional e humilhante para os naturais das colónias.” Loff sente necessidade de afirmar um postulado que até lá tinha sido um dado para a burguesia caboverdiana, as chamadas “forças vivas”, a saber: “queremos ser portugueses como os portugueses”, com as mesmas regalias, os mesmos respeitos e as mesmas atenções governativas. Porém, essa afronta doía na alma, pelo que Loff termina a sua invectiva clamando zangado que “já que não nos querem nem como colónia nem como ilhas adjacentes, então deixem-nos seguir o nosso caminho!”
Igualmente o poeta Eugénio Tavares se manifestaria acerca da venda das colónias, porém sem a cólera de Loff Vasconcellos, antes dizendo de forma irónica que a Metrópole não podia tratar-nos como mercadorias: “Nós os africanos somos filhos da mãe-pátria. Filhos mais ou menos desprezados, é verdade, mas filhos, em todo o caso. Aguardemos os acontecimentos e vejamos se os portugueses de Angola, Moçambique e Cabo Verde estarão dispostos a aceitar essa classificação de artigos de factura”.
Creio que mais que as tragédias provocadas pelas seculares fomes, sobretudo tenha sido essa ideia de venda que exasperou os caboverdianos, cuja ligação à terra começou a ser manifestada de forma aberta, como é por exemplo o senador Vera Cruz, bisneto do conselheiro Manuel António Martins, que chegou a fazer como que uma profissão de fé: sou português de sangue e coração, mas acima de tudo sou caboverdiano!
Ainda que seja evidente que o grito revoltado de Loff de Vasconcelos de forma alguma traduzia uma posição política consequente no sentido do afastamento de Cabo Verde de Portugal, querendo ou não o grupo claridoso herdava um passado que rapidamente lhe levou a adquirir a consciência do que anos antes o mesmo Loff de Vasconcelos tinha afirmado, a saber, o povo surgido dos diversos cruzamento de raças e culturas neste espaço isolado do resto mundo que afinal das contas tinha funcionado como um laboratório humano, era culturalmente diferente do povo português.
E não só era diferente, como era tratado como tal, “criminosamente esquecida pelos poderes públicos” como disse Betencourt Rodrigues em 1930 e provava o cortejo das fomes não debeladas que tinha sido a sua história, como que responsabilizando-a pela sua desgraça, o que levaria o prof. Orlando Ribeiro a escrever que “O cabo-verdiano não é responsável pelo seu destino.Os portugueses encontraram este arquipélago inóspito, povoaram-no com a sua gente e com negros africanos arrancados às suas terras e compelidos ao trabalho. No conjunto dos territórios nacionais, nenhum existe tão pobre e tão desamparado...É um dever de consciência nacional não os esquecer nas horas más que tantas vezes soam para eles”.
Porém, a Metrópole acabara por habituar-se a viver na convicção de que em Cabo Verde sempre se tinha morrido de fome e por conseguinte nada podia ser feito para impedir essa tragédia. Ora muito ao contrário dessa posição de fatalismo, esses jovens caboverdianos tomam consciência da realidade dolorosa que aqui se vive e disso resulta a precupação com o povo das ilhas, com o problema do processo de formação social das ilhas, enfim, com a necessidade de se empreender o estudo das raízes de Cabo Verde, sobretudo como uma forma de nos compreendermos e aprendermos a nos situarmos. Vinte anos depois da revista Claridade, Baltasar Lopes, o autor de CHIQUINHO, o primeiro romance não apenas escrito em Cabo Verde mas de facto retintamente caboverdiano, viria a resumir da seguinte maneira o propósito do grupo:...eu e um grupo de amigos começamos a pensar no nosso problema, isto é, no problema de Cabo Verde…
Directamente influenciados pelos escritores do nordeste brasileiro, como José Lins Rego, Érico Veríssimo, Jorge Amado e muitos outros, é sobre Cabo Verde, sobre o drama do povo de Cabo Verde que os claridosos querem debruçar-se. Mostrando que Cabo Verde não é de forma alguma o jardim das Hespérides cantado pelos poetas da época anterior, não é o lugar onde os deuses vêm repousar. Pelo contrário,Cabo Verde é uma terra desprezada e esquecida onde os homens lutam diariamente contra uma natureza madrasta, e vivem na miséria, e morrem de fome. “O drama reside na penosa constatação de que a natureza é, em Cabo Verde,tão rebelde e diabólica, que o homem não consegue vencê-la, que o homem antes de tudo é vítima dela”, escreve o romancista Manuel Lopes, um dos membros mais politicamente interviente do grupo e autor de livros como OS FLAGELADOS DO VENTO LESTE, CHUVA BRABA, O GALO QUE CANTOU NA BAÍA, etc. Dele ainda é a desencantada frase que de alguma forma resumia a posição ideológica da época: A natureza que envolve estas dez ilhas desqualifica o homem! afirmação que sem dúvida tinha como objectivo justificar a aparente apatia do caboverdeano, apatia que segundo ele não é senão a renuncia de um povo heróico, ainda que de uma heroicidade apagada e humilde porque preso nas teias de mil impossibilidades.
Essa ideia de homem desqualificado e preso nas teias das mil impossibilidades da vida, tem necessariamente a ver com a postura política das gerações de intelectuais que antecederam a Claridade, mas também com a própria postura e posições políticas dos claridosos. Com efeito, embora tomando consciência da sua condição de homem caboverdiano, isto é, não de portugueses nascidos em Cabo Verde mas sim de caboverdianos sob domínio português, os claridosos ainda se limitam, como diz Baltasar Lopes, a pensar no nosso problema, isto é, no problema de Cabo Verde, sem no entanto chegar ao passo seguinte de corte do cordão umbilical que o liga a Portugal, dando o salto qualitativo que é a assunção da luta pela independência e por aquilo que ela forçosamente teria que significar, a saber, um esforço colectivo para que o homem caboverdiano possa viver na sua terra com dignidade e sem as constantes ameaças de crise e de fome. E é por isso que a literatura do grupo claridoso acaba por se resumir a uma denúncia amarga do desamparo das ilhas, das secas e das fomes. Paradigmático dessa atitude é o romance CHIQUINHO de Baltasar Lopes que retrata o abandono do Porto Grande de S.Vicente como rota dos vapores do comércio internacional e o consequente desemprego, fome e doença da classe operária da ilha. CHUVA BRAVA e OS FLAGELADOS DO VENTO LESTE abordam a temática da vida no campo, os olhos postos num céu esquecido dos homens em baixo implorando uma gota d’água. Assim, os autores que publicaram na “Claridade” escolheram como temas predilectos a fome e a miséria em que Cabo Verde vivia, o abandono a que o nosso povo era votado pelos sucessivos Governos coloniais. Livros como “Chiquinho” de Baltasar Lopes ou “Os Flagelados do Vento Leste” de Manuel Lopes, tal como muitos poemas de Jorge Barbosa de que Casebre será o exemplo mais emblemático, (Foi a estiagem que passou./ Nestes tempos/não tem descanso/a padiola mortuária da regedoria./Levou primeiro o corpo mirrado da mulher/com o filho nú ao lado/de barriga inchada/que se diria/que foi de fartura que morreu./O homem depois/com os olhos parados/abertos ainda./Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas!/Nem gritos nem alarme/-somente o jeito passivo de morrer!), constituem verdadeiros libelos de denúncia da situação de um povo que persistia no trágico dilema de morrer de sede quando a chuva faltava e morrer afogado quando a chuva chegava.
Queira-se ou não, os claridosos e as suas obras abriram caminho para o salto que viria a ser o aparecimento de uma literatura de aberta contestação política ao colonialismo, e é por isso que a “Claridade” é justamente tida como a afirmação da nossa independência literária. Essa literatura contaria, entre outros, com poetas como Ovídio Martins, Onésimo Silveira, Gabriel Mariano e Corsino Fortes, este talvez o mais constante dos poetas da sua geração e cuja obra já não se queda na simples contemplação da nossa miséria, antes vai “beber da água da nossa secura” em busca de um sentido positivo e pragmático para aquela que tinha sido até então uma desenganada luta de séculos, afirmando, na própria esteira da luta de libertação nacional, que a nossa solução está aqui, no nosso chão e nas nossas cabeças: “mesmo sendo, já não somos os flagelados do vento leste/ que o digam os braços do povo no povoado”.

Os tempos do Porto Grande

Mas em 1835 pareceu que finalmente chegava a hora de Cabo Verde. Nesse tempo, já a orgulhosa cidade de Ribeira Grande da ilha de Santiago caía em ruínas e as demais ilhas jaziam no abandono. Porém, na sequência da vitória dos liberais de D.Pedro IV, defensores da modernização económica e social do Império, ocorre a visita a Mindelo do inglês John Lewis, funcionário da Companhia das Índias, que pretende avaliar as condições do Porto Grande para servir de ponto de escala para reabastecimento dos navios da sua Companhia.
Por: Germano Almeida

CABO VERDE: VIAGEM PELA HISTÓRIA DAS ILHAS({{continuação}})
E de facto, passada a fase de instalação, os anos seguintes são auspiciosos e durante eles, Cabo Verde, através do Porto Grande, vai conhecer um periodo de prosperidade de certa forma comparável à Ribeira Grande no tempo do tráfico de escravos: o Porto Grande transforma-se no maior porto carvoeiro do Atlântico médio, a cidade do Mindelo converte-se numa babel de culturas e raças, irradiando para o resto do arquipélago as mais diversas mercadorias chegadas através dos navios que diariamente demandam o seu porto, os fustigados pelas secas e demais desempregados das ilhas demandam S.Vicente como terra de promissão. Mindelo é o pulmão por onde respira Cabo Verde, dirá com entusiasmo João Augusto Martins em 1891 no seu livro, Madeira, Cabo Verde e Guiné.
Dir-se-á anos mais tarde que a administração portuguesa de tal forma acreditou que a posição geográfica de S.Vicente e as condições naturais do Porto Grande conferiam a Mindelo um lugar cativo nas rotas entre Europa e América do Sul, que só deu pelo erro 40 anos depois, quando já era tarde de mais para tentar concorrer com as Canárias ou com Dakar cujo desenvolvimento precisamente nessa altura era cada vez mais acentuado.
Assim, não apenas não se preocupou em criar condições facilitantes de comércio num porto onde os navios encontravam dificuldades até no fornecimento de refrescos e vitualhas, como também deu-se ao luxo de à sua vontade aumentar imposto sobre o carvão com vista a aumentar as receitas da província.
No entanto a prosperidade do Porto Grande consegue manter-se estável até 1889, ano em que se começa a assistir ao seu declínio e concomitantemente ao da cidade nascida à sua sombra, que não tem qualquer outra fonte de sobrevivência para além do porto, razão por que o abandono deste significava pura e simplesmente a sua asfixia. Muitos sugerem transformar a cidade do Mindelo num depósito geral de mercadorias para abastecimento da província e mesmo da Guiné, ou então declarar porto franco o Porto Grande de S.Vicente. Porém, na nada se faz em concreto.
A sociedade do Mindelo tinha acreditado na perenidade do bem-estar de que gozava e não estava preparada para a desagradável ruptura que começava a desenhar-se no seu desenvolvimento.
Com o fim de tentar pôr cobro à situação de instabilidade que tinha acabado por afectar de forma perigosa a vida da cidade, em Outubro de 1899 os negociantes e proprietários da ilha decidiram endereçar ao Ministro do Ultramar um vasto pacote de reivindicações e propostas que na sua opinião deveriam servir para o relançamento do Porto Grande. Entre essas medidas incluíam obviamente o desagravamento fiscal das companhias carvoeiras, o licenciamento de outras companhias não inglesas, como por exemplo nomeadamente francesas e alemães, tanto mais que em 1886 tinha já havido uma experiência da firma alemã Brener & Cª de fornecimento de combustível através de um depósito flutuante. Mas sobretudo pediam não só a rápida modernização dos serviços portuários como também o seu necessário embaratecimento, que viria finalmente a acontecer no ano de 1937, quando o governo resolveu baixar os impostos que pesavam sobre o carvão, medida insistentemente reclamada como necessária para o desenvolvimento de S.Vicente e de Cabo Verde, mas que chegava com um atraso de quarenta anos, quando as estações carvoeiras já estavam quase fora de moda, com o fuel ocupando vitoriosamente o lugar do carvão.

Parque eólico já injecta energia na rede de Santiago

O novo parque eólico da ilha de Santiago, situado no Monte de São Filipe, deverá ser uma das soluções para a crise de electricidade na cidade da Praia. Com uma capacidade instalada de 10 megawatts, o parque, que é inaugurado esta quinta-feira, 20, pelo primeiro-ministro José Maria Neves, já está a injectar energia limpa nas redes da Electra desde 17 de Setembro último, mas devido ao pouco vento que sopra nos últimos dias só mais para a frente se poderá avaliar o seu impacto.

Parque eólico já injecta energia na rede de Santiago
O Parque Eólico de Santiago ocupa uma área de cerca de 30 hectares, totalizando 11 turbinas eólicas, o que se traduz numa capacidade instalada de aproximadamente 10 megawatts. Mas só mais para a frente se poderá avaliar o impacto dessa energia limpa no debelar da penúria energética de que padece a cidade da Praia, uma vez que o pouco vento que se faz sentir nos últimos dias condiciona a produção de energia.
O investimento do parque eólico é de 56 milhões de euros, dos quais 45 milhões são provenientes do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Além do Parque Eólico de Santiago, a parceria entre Cabo Verde, a Cabeólica SA, a Electra, a InfraCO, a AFC e a FinnFunf, possibilita ainda a construção de mais três parques, um em São Vicente - que começou a injectar energia na rede no dia 26 de Setembro - Boa Vista e Sal. Juntos os quatro parques irão garantir uma produção de cerca de 28 MW, o que permitirá que em 2012 Cabo Verde possa produzir 25% das suas necessidades energéticas a partir desta fonte renovável.
A inauguração na tarde desta quinta-feira irá contar ainda com a presença do presidente do Conselho de Administração da Cabeólica, Olivier Andrews, o representante de Cabo Verde no BAD residente em Dakar, Leila Mokadden, o director regional para a África Ocidental, Christophe Lucet, e o ministro do Turismo, Industria e Energia, Humberto Brito.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Prudência na escolha dos candidatos às eleições autárquicas de 2012 na ilha Brava

 

Vasco Gonçalves Spínola, deputado municipal eleito pela lista do PAICV e ex-líder da Assembleia Municipal da Brava, pede prudência na escolha do candidato do partido às eleições autárquicas de 2012 na ilha Brava.

Prudência na escolha dos candidatos às eleições autárquicas de 2012 na ilha Brava

Para não cometermos os mesmos erros das presidenciais e de outras eleições autárquicas, o PAICV deverá, em primeiro lugar, fazer um exercício mental, ou seja, ouvir as estruturas de bases ou através das sondagens para depois decidir ou definir os candidatos às próximas eleições autárquicas que se avizinham e não escolher um candidato de forma directa sem que as estruturas de base dêem a sua opinião. Isto seria envolver directamente as bases em todo processo da escolha do candidato e todos envolveria de corpo e alma na luta para eleger o candidato escolhido por bases e não pela direcção do partido, ou pela comissão regional.
No caso da ilha Brava, alguns nomes são apontados como possíveis candidatos na lista do PAICV que se não forem bem tratados poderíamos cair num abismo sem precedentes e perder as eleições autárquicas de 2012 nesta ilha.
Camilo Gonçalves poderia perfeitamente ficar o tempo que ele quiser à frente da Câmara Municipal da Brava, mas devido à sua ausência da ilha poder-lhe-ia custar muito para a sua reeleição a um quarto mandato. Sabemos que é difícil encontrar um candidato, seja pelo lado do PAICV seja pelo do MPD, com perfil de Camilo.
É um presidente que trabalhou muito para colocar a ilha num patamar de desenvolvimento desejável, realizou muitas obras de grande porte, mas a sua popularidade não é das melhores, por isso entendo que Camilo Gonçalves deveria sair pela porta da frente e não arriscar um quarto mandato o que poderia ditar uma derrota dele e do Partido. Para além de Camilo Gonçalves que já afirmou, caso apareça uma boa alternativa, ou um candidato de consenso, não avança com a sua candidatura à eleição autárquica de 2012, Daniel Tavares, é o nome mais falado.
Um candidato natural que pode ser alternativa ao actual presidente da Câmara da ilha das flores e que tem apoio das bases do partido. Ele foi primeiro secretário do PAICV e ex-delegado da EMPA, vereador e agora empresário. Este sim é o único candidato que pode reunir consenso e é, neste momento, o único candidato que poderá ganhar as eleições na ilha Brava.
Um outro candidato, que também já mostrou algum interesse, é Moisés Santiago que poderá ir às primárias, caso Camilo Gonçalves se recandidate. Outro nome é o de um senhor que vive nos Estados Unidos, de nome Petcha, e que quer o apoio do PAICV, caso não tenha apoio poderá concorrer como Independente.
Não quero aqui falar também numa possível candidatura minha às autárquicas, caso Camilo Gonçalves e Daniel Tavares se recusem a candidatar. Mas penso que posso contribuir para juntos encontrarmos um candidato que pode substituir Camilo Gonçalves e esse candidato só se for Daniel Tavares.
Seja como for, tanto a comissão política como a comissão regional devem deixar que os militantes escolham livremente o seu candidato sem interferência de um ou de outro para que todos mobilizem esforços em volta de um candidato e atribuir as responsabilidades aos militantes que, de uma forma ou de outra, se sentirão envolvidos em todo o processo da escolha do candidato e contribuirão para ganhar as próximas eleições autárquicas sem grandes sobressaltos.
Aos militantes impõe-se a responsabilidade de interpretar correctamente e de cumprir com as suas palavras, intensificando a sua acção quotidiana, elevando a consciência política e a preparação para que a eleição autárquica na ilha de Eugénio Tavares, seja sempre do PAICV.
Se fizéssemos este exercício mental de ouvir as estruturas de bases creio que, por mais ambicioso que os candidatos sejam, não haverá necessidade de realizar as primárias.
Para o bem do Partido sejamos prudentes para fortalecer a coesão interna e ganhar as próximas eleições autárquicas de 2012 em Cabo Verde.