Meu caro, li a sua entrevista no Expresso das Ilhas e ela deu-me algumas voltas ao estômago, pois jamais vi, nas linhas e entrelinhas da dita cuja, tanta aversão à Ilha de Santiago por parte de um político local, aversão só explicável por eventuais traumas e psicoses mal resolvidas. Recomendo-lhe vivamente uma ida a um psicólogo. Poderia recomendar-lhe alguns, possuidores de mestrados e doutoramentos na área de sentimentos recalcados, mas como são originários de Santiago, a sua situação clínica, certamente pioraria! Devo dizer-lhe também que jamais vi alguém tão perdido em seu (nosso) próprio tempo, alguém que hiperboliza em demasia as potencialidades da sua Ilha e apouca as da Ilha que na verdade é o sustentáculo do todo nacional - Santiago! E tive pena de si, por perceber quão enorme é a sua antipatia à minha ilha! Nada a fazer, a não ser recomendar-lhe que “chupe limão e passe creme nos cotovelos”!
Por: JOÃO GOMES
Começo pelo título que o Expresso deu à sua “lavagem de alma” à laia de entrevista: “Se há dinheiro para o Porto da Praia e para a Cidade Administrativa tem de haver para S. Vicente”. Bem, uma vez que você anda perdido e não tem noção alguma de como as coisas foram decididas, deixe-me prestar-lhe alguns esclarecimentos. O MCC (Millenium Challenge Corporation), posto perante várias opções acerca do destino do dinheiro dos contribuintes norte-americanos, optou por aquele que lhe pareceu ser bem mais rentável, pois teriam de explicar ao Congresso dos EUA no quê e porquê o dinheiro foi gasto! E o porto da Praia ganhou destacadíssimo, com um forte apoio do então Embaixador americano, Johnson.
O nosso porto, a despeito da xenófoba gestão da Direcção da ENAPOR, já era, na altura, responsável por mais de 50% do movimento de cargas e mercadorias no país! Sabe quanto representa o porto da Praia nas receitas da ENAPOR? Sei que não sabe, por isso pergunte ao Franklim! Você que tanto hiperboliza as receitas altíssimas de SV, parece viver num país que não é o meu. Em 2010, as receitas aduaneiras de Santiago somaram ECV 7.255.752.388 e as de S. Vicente 4.016.878.657. E os números da alfândega do Mindelo devem-se em grande parte às mercadorias descarregadas com destino à Praia. Nem lhe indico as diferenças de receitas do IUR e IVA entre as ilhas, para você não ter um piripaque! Se for aprovada uma lei estatuindo que cada ilha fique com o que ela produz, você pensa que Santiago ficaria a perder?!
Meu caro, o norte-americano é um povo rigoroso e nada brincalhão com o dinheiro dos contribuintes, pois sabem que estes não deixam em paz os políticos que se portarem mal nesse, como noutros domínios. Assim, eles não são influenciáveis pela “linda cor dos olhos” de ninguém! Jamais aceitariam aplicar o dinheiro em opções como a da criação de um “1st world university campus” com piscinas e recintos desportivos olímpicos, cujos estudantes, como forma de rentabilização económica, seriam transportados de barco.
De onde? De Santiago, obviamente! Seria um regresso ao passado! Você estava pensando que são os Governos que impõem ao MCC onde o dinheiro norte-americano é aplicado? Caia na real, oh homem! No dia em que, ao invés de você querer investimentos públicos por causa de pretensas vocações especiais de S. Vicente, cimentadas em tempos que já lá vão, você passar a apresentar projectos com viabilidade e rentabilidade garantidas, garanto-lhe que tudo será diferente! Moderniza-te, pá!
Outro aspecto da sua entrevista que me provocou algumas gargalhadas é essa proverbial mania de alguns (felizmente poucos) bairristas do seu cutelo, de afirmarem estar tudo a ser feito em Santiago! Vou citar ipis verbis um comentário de um internauta (peço licença a esse internauta para usar o que ele escreveu) a respeito de um artigo escrito por um tal Miranda Lima num dos jornais on-line sobre a transferência de ministérios civis para SV: “o que você está a propor basicamente é isto - não se invista em Santiago para preservar a historia e o simbolismo de S. Vicente. Bonito! O artigo (acrescento eu, a sua entrevista também, meu Caro Augusto) é de conteúdo bairrista e contra o desenvolvimento de S. Vicente porque induz a transformação da Ilha numa “dependente” da vontade dos Governos de turno que decidem mais ou menos investimentos de acordo com interesses políticos imediatos e não incentiva o empreendedorismo do cidadão de S. Vicente. A teoria que você desenvolve é comunista: “Ricos, sejam menos ricos para que os pobres sejam menos pobres”.
Por outras palavras diz, transfiram parte das INSTITUIÇÕES que estão na Praia (porque não deviam lá estar) para reduzir a macrocefalia da Capital e para que S. Vicente (que tem história e tradição) recupere a dignidade perdida”. Não é por esta via tortuosa que o Senhor consegue o desenvolvimento de S. Vicente. Pergunto se você sabe que na década de 70/80 todo o investimento público na área Industrial foi concentrado na Ilha de S. Vicente: CABNAVE (Estaleiros Navais) ONAVE (Metalomecânica) PESCAVE E INTERBASE (Pescas e Frio) MOAVE (moagem), SOCAL (Sapatos), MORABEZA (confecções), etc. e para ilhas do Sul, Santo Antão e S. Nicolau, só se investiu no sector Agrário? Não sei se lembra da teoria tripolar de desenvolvimento, que vigorava então?
Não deixa de ser um disparate e um bairrismo primário considerar que o desenvolvimento de S. Vicente passa pelo retrocesso de Santiago. Tenho que dizer-lhe ainda que a maior parte de investimentos importantes no sector industrial, construção e grandes superfícies comerciais, em Santiago, deve-se a privados: INFARMA (medicamentos), SITA (tinta), CERVEJA, TECNICIL e EDITUR (construção), SUPERMERCADOS CALÚ E ANGELA (supermercados) etc. Mais: Santiago conheceu mais investimentos privados na década de 90, na Democracia. Pudera, o privado não vai investir por questões afectivas. Investe lá onde tira o maior rendimento do seu capital e lá onde tem mercado, logo maior numero de consumidores/habitantes. Outro factor que tem contribuído para que haja mais investimentos em Santiago é o amor que o “BADIU” tem à sua Ilha. Não vive do passado. Não! Labuta lá fora, ganha dinheiro, para investir na sua Ilha, criando empresas, construindo prédios e dinamizando a Economia e não exigindo que se transfira nada de parte alguma para Santiago. S. Vicente durante vários anos teve a protecção do Governo, quando o comércio não estava liberalizado. Os comerciantes tinham um plafond de importação e comodamente usufruíam de chorudos lucros que esta condição lhes facilitava, já que dominavam todo o comércio das outras Ilhas, inclusive Santiago que também se aprovisionava de S. Vicente. A situação era justa”? Fim de citação! Bravo, sr. Internauta, o seu comentário serve como uma luva nesta minha carta! Touché!
Na década de 90, com a liberalização económica, durante a qual S. Vicente demonstrou não saber funcionar em concorrência, também se investiu num outro enorme “projecto” - o Terminal de contentores, o qual, englobado no pacote de 12 milhões de dólares relativo à expansão do porto grande, está ainda a ser pago pelo povo cabo-verdiano, de S. Antão à Brava! E investimentos em obras estruturantes nunca deixaram de ser feitas em S. Vicente e acho deselegante e ingrato, você não reconhecer isso. Santiago, não obstante ser onde está a Capital da Nação, esperou 30 anos por um aeroporto internacional, sempre com a explicação de se evitar o colapso do Sal; não se investiu no porto da Praia, para não pôr em causa a vocação do porto grande. Mas por que carga de água tem Santiago de diminuir para que as outras ilhas cresçam? Curiosamente, bastou ser inaugurado o aeroporto internacional da Praia para, num abrir e fechar de olhos, S. Vicente ser contemplada também com um aeroporto internacional financiado por um banco europeu, avalizado pelo Governo, com capacidade para movimentar o dobro dos passageiros do aeroporto da Praia e, no entanto não movimenta, por enquanto, nem uma décima parte. Ou seja, enquanto as obras em SV são feitas para o futuro (acho bem e assim deveria ser em todas as ilhas), as em Santiago são feitas para corrigir erros do passado. É claro que quando são inauguradas já estão obsoletas. E mais! O Governo, como forma de viabilizar a infra-estrutura aeroportuária de S. Vicente, gastou ainda mais de 2 milhões de contos (sim, dois milhões de contos) para desbastar os montes ao redor do aeroporto, enquanto para se aumentar mais 400 metros de pista no aeroporto da Praia, o dinheiro não aparece! E tens o desplante de falar de falta de investimentos públicos em S. Vicente? Não seja ingrato, meu caro Augusto!
Meu caro, você conhece Santiago? Sei que não conhece nem quer conhecer, pois a sua, e a de alguns como você (felizmente poucos), aversão a esta Ilha, é patológica! Se você visitar o interior desta Ilha, certamente irá ficar com a mesma sensação com que ficou o seu conterrâneo Eng. Manuel Inocêncio quando visitou pela primeira vez essa porção da Ilha maior, na qualidade de Ministro das Infra-estruturas. Dizem que ele ficou perturbado por constatar o estado primitivo com que bastas populações ainda viviam - sem água, sem luz, sem estradas, sem habitação condigna, sem telefone, sem nada. Viviam (e algumas ainda vivem) como gente na Idade da pedra, enquanto povoações de pouco mais de cem pessoas em algumas Ilhas do norte, há muito foram contempladas com todos esses bens básicos! S. Vicente, por exemplo, já vai na 3ª fase do Projecto de saneamento básico, enquanto Praia (não Santiago) ainda nem saiu da 1ª fase! Foi por essas e outras que o actual Primeiro-Ministro, num acto de coragem e audácia, reconheceu que o Estado de Cabo Verde é, profundamente, devedor da Ilha de Santiago, tendo vindo os Governos a fazer esforços enormes no sentido de colocar Santiago na senda dos investimentos públicos! Estes parecem ser muitos, porque, durante muitos anos, em ST não tinha sido feito nada, ou quase nada!
Meu caro, deixe-me colocar um ponto num “i” em relação a uma baboseira sua e de alguns (felizmente poucos) como você. Não corre em vossas veias nenhum sangue diferente do de outros cabo-verdianos que tiveram o azar de nascer fora de S. Vicente. A notoriedade que S. Vicente teve em momentos da nossa história, é porque, além do porto Grande, foi concentrado aí o único liceu da altura e todos, a duras penas, tiveram de lá ir estudar, inclusive o meu pai e este tem brilho em qualquer parte do mundo! Não foi S. Vicente que deu notoriedade ao liceu mas sim o contrário, pois se o mesmo tivesse sido instalado noutra Ilha qualquer, com os mesmos mestres e os mesmos ilustres estudantes (Jorge Barbosa, Pedro Cardoso entre muitos outros não originários de SV), os resultados teriam sido os mesmos! Ou você acha que o simples ar de S. Vicente transforma burros em espertos e o marasmo em dinamismo! Se assim fosse, S. Vicente estaria em níveis estratosféricos e não haveria razões de queixa. Com a criação de liceus pelas ilhas, todos tiveram as mesmas chances de estudar e hoje o maior número de mestres, doutores, mestrandos e doutorandos são de Santiago, mais precisamente de S. Catarina! E imagina meu caro, que uns até estão ganhando prémios internacionais de poesia, de literatura e outros estão entre os 100 melhores cirurgiões de Nova Iorque. E não nasceram em S. Vicente? Como é possível?!
Meu caro, as Sedes das empresas que você citou (ENACOL, SHELL, ELECTRA) ficam onde os accionistas quiserem. A mudança territorial das mesmas não deve ser objecto de actos administrativos do Governo. Lembro-lhe apenas que elas, não obstante estarem sediadas em S. Vicente, têm o principal mercado em Santiago e é por causa deste mercado que conseguem os resultados que apresentam! Só a estação de Chã de Areia da Shell (hoje VIVO) vende mais gasóleo que toda a Ilha de S. Vicente. Sabia disso? Aposto que não! O mesmo se diga da ENACOL e até mesmo da Electra (a pior empresa do mundo), a qual tem na Praia, apesar dos furtos de luz e das perdas na rede, a sua maior fonte de receitas. Quer isso dizer que até as receitas apresentadas por elas nas sedes em S. Vicente, devem-se ao mercado consumidor que é Santiago!
Para terminar, volto a citar o internauta supra mencionado: “Para que S. Vicente se desenvolva, é minha opinião, que primeiro deve-se deixar de pensar que se está a retirar algo de seu a S. Vicente e ter presente que a situação actual da ilha é derivado da dinâmica de desenvolvimento de Cabo Verde que os empreendedores de S. Vicente não souberam acompanhar preventivamente. Em segundo lugar, esquecer-se que “tempo qui gato Mané João tava engorda na gemada”, passou. Cabo Verde mudou! As práticas do empreendedorismo também têm que mudar. Terceiro, que todas as ilhas têm que ser competitivas e isso passa pelo aproveitamento das suas vocações e pelo empreendedorismo dos seus cidadãos. Por último e não disse tudo, é preciso dar combate ao bairrismo doentio e à vitimização injustificada”. O Estatuto Especial para a Capital é um ditame constitucional; para haver um também para SV, só com uma Revisão Constitucional. Passe bem e venha comer connosco um bom cabrito com mandioca à moda de Santiago! Fadjádu!
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