O político e advogado David Hopffer Almada defendeu em Lisboa que “é tempo de fazer a história avançar e dotar cada ilha de autonomia administrativa”, processo de regionalização sobre o qual prepara já novo livro.
O antigo dirigente governamental dos anos 80 foi o convidado especial da rúbrica “À conversa com...” que se submeteu ao crivo da Tertúlia Crioula, espaço de debate de jovens investigadores cabo-verdianos, desta vez coordenada por Edson Pereira.
DHA disse recear que hoje se esteja a viver algo semelhante ao que aconteceu em 1996 com o MPD, que tinha uma grande maioria e pensou que podia fazer tudo o que quisesse. “O PAICV está no terceiro mandato, mas todos temos de ter consciência que as exigências são maiores e o cansaço é evidente. Eu alerto para que não se verifique a mesma doença”, defendeu.
No dia anterior, o político que ousou candidatar-se à presidência do país por duas vezes tinha apresentado na mesma sala, a abarrotar, o seu livro “A construção do Estado e a Democratização do poder em Cabo Verde”, obra que considera “um testemunho da história vivida “ que fala de factos sedimentados em documentos, mas também de alguma mágoa por algumas desonestidades políticas e maledicência sobre a sua pessoa que preza ser de “carácter e dignidade”.
O político, que tem um percurso continuado de riqueza e diversidade de cargos e actividades de carácter público e privado, defende a regionalização e opinou que a Praia deve ser reconhecida com um estatuto especial de Região Metropolitana. As diferentes ilhas podem ser subdivididas em vários municípios ou uma ilha num município, explicou o orador que foi ministro da Justiça de 1975 a 1986 e também em 1988/9.
“A natureza fez com que em cada uma nascesse o sol, separadas geograficamente. Não podemos parar a história. Já é tempo de partir para a regionalização”, afirmou o também antigo deputado e ministro da Informação, Cultura e Desporto, autor de várias obras de carácter histórico-jurídico mas também de poesia.
A sua intervenção ao longo de três horas, feita de pé, com dinâmica e expressividade, motivou várias manifestações de agradecimento e regozijo “pela aula de História”. O político foi incentivado a escrever a História de Cabo Verde para transmitir aos mais jovens. “Em 1991, a avaliação foi feita na arrogância e não pelo trabalho. Escreva a História de Cabo Verde com o PAICV e outros, com a mesma seriedade e dignidade com que tem prosseguido, apesar de ser maltratado”, disse uma das intervenientes.
As questões centraram-se nos precedentes ao regime de partido único, fizeram a transição e a mudança para o pluripartidarismo, mas também navegaram na actualidade, como o estado da democracia ou os poderes presidenciais além de particularidades como a lei da reforma agrária ou outras que se prendem com os meandros da sua candidatura presidencial, as relações com Pedro Pires, ou a sua saída do partido.
Bernardino Soares, Samilo Moreira, Salomão, André, Diamantino Soares, Samila Santos, Nelson Almada, Mário Fernandes, Jay Querido, Suzano Costa, José Hopffer Almada, Veríssimo Pires, Miguel, Elizabete Ramos, Adilson Rosário, Mário Matos, Eduardo, Arlindo Fortes, Branco Coutinho, Daniel Miranda, Madalena Semedo foram os intervenientes que quiseram questionar o orador, que foi pormenorizado no enquadramento político interno e internacional que conduziu à democracia no país.
A algumas dúvidas como a inexistência de referendo na altura da independência, o jurista explicou que “o acordo entre o PAIGC e Portugal era para se fazerem eleições pluripartidárias, mas não aconteceram. A proposta de lei de 30 de Junho de 1975 definia as regras para concorrer às eleições, mas a UDC não apareceu e ficou só o PAICV. Da UDC vários elementos foram presos pela Polícia Judiciária e militar portuguesa na altura – em que o Tarrafal volta a reabrir pela terceira vez – e a UPIC nunca chegou a implantar-se. Nas eleições só apareceu o PAICV”.
A Unidade Guiné/Cabo Verde, projecto de Amílcar Cabral, tema recorrente, foi clarificada por DHA como “um objectivo estratégico”. “Ele nunca expôs como isso iria acontecer depois, porque a unidade era um plano de Cabral para a independência e conseguiu”.
“Eu tinha colegas... mesmo dentro do partido havia muita gente que não acreditava”, disse DHA que assistiu a todas as conferências intergovernamentais da época onde a questão não era sentida da mesma forma por todos. Era esperado que seria cada vez mais distanciado esse processo de unidade”, referiu acrescentando que o povo mais tarde respondeu em “uníssono” que era capaz de continuar Cabo Verde.
David Hopffer Almada ia desbravando os caminhos da história pós-independência, com datas, pormenores, encontros, divergências e percepções pessoais, como a derrota do PAICV que deu lugar à vitória do MPD. “Apercebi-me muito cedo que iriamos perder, pois até fomos recebidos à pedrada... em Santa Catarina...!”
Referiu que uma das grandes inovações, da sua autoria, ainda no regime de partido único e que ainda vigoram, foi o projecto de responsabilidade extra-contratual em que possibilitava que o Estado fosse levado a tribunal para responder pelo seu incumprimento para com os cidadãos, “conseguia-se submeter os actos de um ministro, a tribunal...” e também a lei de interrupção voluntária da gravidez, o que na época (1983/84) era um facto de grande complexidade devido ao papel da Igreja Católica.
A democratização começou com a abertura política (os precedentes, a queda do art.4º sobre o partido único) e com o MPD que, aproveitando o descontentamento reinante, trouxe a palavra de ordem “Mudança”, referiu.
David Hopffer Almada, que foi interveniente no processo legislativo do país, e que actualmente prossegue o seu trabalho no campo das leis, admitiu que “se o regime tivesse tido a coragem de fazer a democratização mais cedo, o PAICV seria menos penalizado”.