O presidente da Assembleia Nacional, Basílio Mosso Ramos, deve fazer cumprir a qualquer momento o parecer da Comissão Especializada de Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e Comunicação Social (CEAJDHCS) sobre quem deve requerer ou realizar a audição ao governador do Banco de Cabo Verde. A deliberação, que foi produzida na sequência do impasse entre as bancadas do PAICV e do MPD devido a interpretações divergentes sobre o Regimento da Assembleia Nacional (RAN), vai no sentido de anular a decisão tomada por três dos sete membros da Comissão Especializada dos Assuntos Financeiros e Orçamento (CEAFO) que, na semana passada, pretendia ouvir Carlos Burgo sobre a situação económica do país e a credibilidade das instituições financeiras nacionais, na sequência do caso Lancha Voadora.
Os partidos da área do poder não se entendem sobre quem deve convocar e ouvir o governador do BCV em sede parlamentar. Chamada a clarificar as águas, a Comissão Especializada dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e Comunicação Social já produziu, segundo o seu presidente, Clóvis Silva, um parecer jurídico que chumba a primeira iniciativa tomada neste sentido. O documento manda anular a decisão tomada por três dos sete membros da Comissão Especializada de Assuntos Financeiros e Orçamento (CEAFO) que pretendia, a 13 de Fevereiro último, ouvir Carlos Burgo sobre a situação socioeconómica do país e a credibilidade das instituições financeiras nacionais, mormente dos bancos sobre os quais recaem suspeitas de envolvimento em lavagem de capitais.
Silva pontua que a CEAJDHCS foi chamada a intervir no processo através do presidente da Assembleia Nacional, mas a pedido do líder da bancada do PAICV, José Manuel Andrade. “Todas as bancadas estão de acordo que o parlamento deve ouvir o governador do Banco de Cabo Verde no tocante aos aspectos referidos. Mas os dois partidos fazem uma interpretação diferente do estabelecido no RAN sobre a matéria em causa. Urge portanto clarificar essa situação para garantir que a decisão que vier a ser tomada terá uma sustentação jurídica correcta”, avança Clóvis Silva.
O deputado tambarina garante que o relatório final da CEAJDHCS será de cumprimento obrigatório, tendo já sido remetido – ontem, 23 – ao presidente da Assembleia Nacional. Basílio Ramos deverá, por isso, reencaminhá-lo, em breve, a todos os deputados e demais comissões especializadas da AN, para os devidos efeitos.
Clóvis Silva faz questão de realçar que o poder de convocar uma reunião e propor a ordem do dia de qualquer comissão especializada do parlamento não é igual ao poder de requerer ou realizar audições parlamentares. O eleito lembra que às Comissões Especializadas compete apenas propor e definir, em reuniões com a presença de todos os seus membros, o âmbito das audições. Silva sustenta esta sua argumentação na alínea e) do artigo 47º do RAN. “As comissões podem requerer ou proceder a quaisquer diligências necessárias ao bom exercício das suas funções, nomeadamente… realizar audições parlamentares”. Para o entrevistado deste jornal, tal poder só pode ser exercido em plenária e nunca como iniciativa do presidente ou de um terço dos membros.
Minoria e lavagem de capitais
A proposta inicial de ouvir o governador do BCV no parlamento partiu da presidente da CEAFO, sem reunir todos os membros daquele organismo. Orlanda Ferreira contou com o aval favorável de apenas dois colegas do MpD, membros da mesma comissão. O objectivo era sobretudo debater e clarificar as suspeitas de envolvimento de alguns bancos cabo-verdianos na lavagem de capitais, no âmbito do dossier Lancha Voadora. Um caso que abrange ainda o ex-presidente da Bolsa de Valores de Cabo Verde (Veríssimo Pinto), que se encontra em prisão preventiva na cadeia central de São Martinho. A audição proposta tinha também como propósito conhecer os dados concretos do BCV relativos à realidade económica nacional face ao impacto negativo que a crise financeira internacional está a ter no arquipélago cabo-verdiano.
Janine Lélis - Direito da Minoria
Orlanda Ferreira justifica que a deliberação da comissão foi tomada antes da reunião da Comissão de Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e Comunicação Social. E, negando tecer mais comentários, sobre a decisão da CEAJDHCS, considera que o relatório deve ser respeitado e cumprido por todas as comissões especializadas.
Para parlamentares da oposição, a CEAFO propôs ouvir o governador do BCV, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 42º do Regimento da Assembleia Nacional. “1. As reuniões de cada comissão são marcadas pelo seu presidente, por iniciativa própria ou a pedido de um terço dos seus membros, sendo a ordem do dia fixada pelo presidente, ouvidos os representantes dos grupos parlamentares. 2. Quando a convocação da reunião for pedida por um terço dos membros da comissão, cabe a estes propor a ordem do dia”, estabelecem as cláusulas referidas.
Janine Lélis, a porta-voz dos representantes do MpD junto da CEAFO, defende que a decisão foi tomada de forma legal. “Entendemos que é a prerrogativa do presidente ou de um terço dos membros de qualquer Comissão Especializada marcarem a reunião e definirem a ordem do dia daquele organismo. É um direito que não está sujeito a confirmação nem a aceitação dos outros elementos da comissão por se tratar de um direito potestativo, que visa garantir o direito da minoria”, conclui Lélis.
Seja como for, o mais certo é que a Comissão Especializada de Assuntos Financeiros e Orçamento voltará a reunir-se para, desta vez na presença de todos os seus membros, deliberar sobre a audição a ser feita ao governador do Banco de Cabo Verde, em data ainda não definida. Uma iniciativa que está viabilizada à partida, porque tanto o MpD como o PAICV já fizeram saber que estão interessados em ouvir os esclarecimentos de Carlos Burgo no parlamento, em especial sobre as alegadas conexões entre alguns bancos e o caso Lancha Voadora.
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