domingo, 17 de abril de 2011

Sociedade Civil e Política

Passei a maior parte da vida activa na minha profissão a escutar, observar, palpar e auscultar pessoas para tentar chegar a um diagnóstico, a fim de prevenir males e tratar doenças. Tentei, fora da minha rama profissional, compreender a história da minha própria época e de épocas muitíssimo mais recuadas, e assumi como responsabilidade intelectual e cívica partilhar com os meus conterrâneos as facetas mais importantes e de interesse dos meus conhecimentos para a compreensão e finalidade da nossa existência na Terra.
Por: Arsénio Fermino de Pina

Sociedade Civil e Política
Algumas pessoas que me lêem interrogam-se, por isso, e até se manifestam por escrito – o que me leva a escrever estas linhas -, por que não milito nalgum partido político ou não me candidato a postos políticos na governação, por constatarem que sou impregnado de política e me presumirem habilitado a produzir algo de interesse para o país em consequência da minha experiência no longo convívio com outros povos e culturas e em trabalho realizado como pediatra antes da aposentação.
Nunca escondi as minhas simpatias ideológicas, por razões facilmente detectáveis e já expressadas, mas sem ser militante encartado e sem fundamentalismo político, por o meu pendor social e humanitário se encaixar mal na chamada disciplina partidária que, no meu entender, se confunde com obediência. Sou mais homem de causas, não de alinhamentos programados com obediências programadas; dou preferência ao acordo ou compromisso, apanágio de democracia. Como tal, fácil é de concluir que não me pode interessar a prática da política, mormente como ela se vem exercendo nos tempos que correm, porque para se ter sucesso nessa reola é preciso ser-se feroz, como dizia Mitterand, ambicionar cada vez mais poder e os interesses pessoais e partidários deverem sobrepor-se à amizade, quando a minha ambição se limita a bem servir a terra onde nasci e privilegiar em absoluto a amizade; assumo, sim, por inteiro, a minha vocação e responsabilidade cívicas, tentando estimular para a intervenção activa a sociedade civil e influenciar os meus leitores e ouvintes no sentido de os ajudar a pensar por si próprios; continuo tentando, também, teimosamente, convencer os governantes de ser fundamental, mesmo imprescindível, escutar e respeitar as vozes dos cidadãos, isolados ou através de organizações independentes da sociedade civil, dado que sem a confiança e a cooperação dos cidadãos nenhum progresso sustentável será possível.
Há gente que não aprecia o meu agnosticismo, confundido com ateísmo, e barafusta comigo, quando, afinal, são os livres-pensadores laicos os mais fieis depositários do espírito cristão original, o que venho demonstrando em alguns escritos, por acreditar que a crença em Deus não é uma teoria que se deva demonstrar, mas uma prática da vida, uma sabedoria sujeita a crítica mas não ao teste da razão científica que cultivo.
Infelizmente, o medo e o culto da personalidade, geradores de submissão e menoridade, ainda hoje estão alojados, mesmo alapados na consciência de muitos de nós, das populações, por termos vivido anos demasiados sob o regime pantanoso do fascismo português, passando, a seguir, por outro regime de partido e pensamento únicos, embora não comparável ao anterior de triste memória, o que vem limitando a participação dos cidadãos, o desenvolvimento da sociedade civil e do país, por haver necessidade, para isso, do concurso de todos, em liberdade, independentemente das suas simpatias políticas.
Os que me lêem apercebem-se, segundo creio, de que sempre procuro incutir aos meus escritos uma intenção pedagógica; mas, por ser cidadão de alma aberta que não se furta à participação activa, torno-me suspeito para certos espíritos desconfiados, talvez porque ainda não se descobriu a fórmula mágica de ser insuspeito e empenhado ao mesmo tempo.
Em verdade, - confesso-o agora para esclarecimento dos que se interrogam quanto à minha não participação na prática política - sempre acreditei ter poucas possibilidades de a disponibilidade apresentada ao governo, após a reforma, há cerca de dez anos, ser aproveitada (sem nunca ter pedido nem exigido nada, mas ofertado a minha disponibilidade para o que bem entendessem, desde que não fosse de índole sanitária, a que punha fim, já um tanto saturado e necessitando de arejamento noutras disciplinas), porque as pessoas susceptíveis de serem ouvidas e seguidas, respeitadas pela população devido à sua isenção, independência, honestidade, rectidão de carácter e apartidárias, são bastas vezes preteridas, marginalizadas pelo poder político, tão simplesmente por serem incómodas e difíceis de manobrar. Realmente, em democracia é muito mais difícil governar, porque exigente, mas aliciante por haver que ter em conta as opiniões e críticas dos outros para se chegar a acordos e consensos que melhor sirvam a todos e não a meia dúzia de privilegiados e de comparsas partidários.
Há, entre nós, intelectuais e técnicos de valor, sem filiação política ou com filiação de sinal diferente dos governantes, verdadeiras fábricas de ideias e de projectos, que os dirigentes deveriam ter em boa conta. Os países onde a inteligência é um capital pouco valorizado e o capital deveras produtivo é o oportunismo, têm poucas hipóteses de ir longe. Só na honestidade, na dignidade dos homens, nos direitos e garantias, na ousadia e na inovação, nas mudanças e reformas que apontam a inteligência e a ética é que se encontra a verdadeira segurança, progresso e felicidades dos povos.
A incomodidade e dificuldade de subordinação referidas acima relacionam-se com as exigências de pessoas idóneas quanto à independência da justiça e à necessidade de eliminação das fragilidades legais – não somente independência do poder político mas também em relação a interesses económicos venais, aos lobbies ou às ideologias –, à valorização das pessoas pelo mérito e competência, não pela militância partidária, e á independência dos meios de comunicação de massa que devem ser o mais isentas possível e não ao serviço dos interesses dos que a subornam ou dominam.
A nossa sociedade civil e as suas organizações são ainda débeis e hesitantes por algumas dessas razões e ainda por necessitarem de lei que lhes defina a autonomia, e de um mecanismo estatal que garanta o exercício dessa autonomia, afim de se prevenir ou eliminar impasses que não me canso de assinalar e não há meio de serem eliminados por actos, não por promessas que raramente se cumprem, dado que estas sem obras assemelham-se a tiro de pólvora seca, sem bala: atroam, mas não surtem efeito.
Muitas das propostas e críticas que venho há largos anos fazendo não são, obviamente, inteiramente minhas, por estar muitíssimo longe de ser génio. Minhas simplesmente a sua identificação, digestão, resumo e formulação à minha guisa, sem receio de me expor a julgamentos apressados e críticas desbragadas.
Não se pense que estou novamente a oferecer a minha disponibilidade, a bater-me a algum job nesta nova encruzilhada política, porque não estou e nunca estive em nenhuma época da minha existência. Além do mais, já não tenho idade para grandes voos, e, como descendente do Homo erectus, sempre me esforcei por manter direita a espinha dorsal, e reagiria, nesta eventualidade, como o Almirante Gago Coutinho quando, já em idade avançada, o convidaram para ser candidato a um posto elevado no Estado: “nesta idade, nem para presidente de junta de freguesia serviria.”
Parede, Abril de 2011
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)

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