quarta-feira, 22 de junho de 2011

Os gastos do Estado: Só em deslocações, em 2010 gastou-se 411 mil contos

O QUE FAZ O ESTADO COM O NOSSO DINHEIRO?



Viaturas do Estado percorreram em 2010 13,4 milhões de quilómetros. É obra
Viaturas do Estado percorreram em 2010 13,4 milhões de quilómetros. É obra

Com o texto de hoje - ontem mostramos de onde vêm os dinheiros do Estado - pretendemos que os nossos leitores compreendam quanto dinheiro (nosso e de terceiros) gastou o Estado nestes últimos anos. O Estado gastou nos últimos cinco anos, 214 milhões de contos, dos quais 125 milhões em despesas correntes. Se este crescimento continuar, o Estado terá que aumentar os impostos. Só em 2010, o Estado gastou 161.457.372$00 em combustíveis e lubrificantes. Feitas as contas, o total percorrido em 2010 pela frota do Estado é de 13,4 milhões de quilómetros. Enquanto isso, a Educação e a Saúde não mereceram investimentos significativas do Estado.

Praia, 22 Junho 2011 - O que faz o Estado com os dinheiros públicos, com o nosso dinheiro, o dinheiro dos contribuintes? Gasta-o evidentemente. Gasta o que tem (que recebe de nós), gasta o que recebe do exterior como donativos, e gasta também o que não tem. E, quando gasta o que não tem, endivida-se.
Quanto dinheiro (nosso e de terceiros) gastou o Estado nestes últimos anos? É o que veremos a seguir. Infelizmente, a informação disponibilizada pelo Ministério das Finanças é muito insuficiente e não facilita análises aprofundadas. Especialmente no que respeita às despesas de investimento, elas são apresentadas de forma muito condensada por programas e subprogramas, o que não permite distinguir a natureza real dos gastos. Quanto das despesas de investimento se traduzem na criação de capital físico? E quanto é dispendido em salários e na aquisição de bens ou serviços? Seria útil que essa informação fosse disponibilizada pelo MF, de modo a permitir aquilatar do real impacto das despesas de investimento no crescimento económico, na vida das pessoas, e conhecer a natureza real das despesas do Estado.

QUANTO GASTOU O ESTADO NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS? O QUADRO 1 DÁ A RESPOSTA.

QUADRO 1

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O Estado gastou nos últimos cinco anos, 214 milhões de contos, dos quais 125 milhões em despesas correntes e 89 milhões em investimentos. No intervalo de quatro anos desde 2006, a despesa pública aumentou 47%, cerca de 17 milhões de contos, dos quais 5 milhões em despesa corrente e 12 milhões em despesas de investimento. Em relação ao início da década, a despesa pública foi multiplicada por 2,4. Como o PIB corrente foi multiplicado por 2,1, a proporção da riqueza nacional absorvida pelo Estado passou de 35% em 2000 para 39% em 2010.
O maior aumento da despesa pública desde 2006 ocorreu no ano 2010. O Gráfico 1 resume o aumento da despesa pública em cada um dos quatro anos.

GRÁFICO 1. AUMENTO ANUAL DA DESPESA PÚBLICA TOTAL, 2007 A 2010

Fontes : MF, contas provisórias 2006 a 2010
Fontes : MF, contas provisórias 2006 a 2010

O Estado gastou em 2010 mais 8,2 milhões de contos do que em 2009, dos quais 7,3 milhões de contos em investimentos, apesar de 2009 ter sido o ano de crise mais acentuada. Na realidade, metade do aumento total da despesa pública entre 2006 e 2010, ocorreu nesse último ano. Em 2010, as despesas de investimento público aumentaram quase 40%.
Comparando a evolução do investimento público, com o crescimento real da economia, não se vislumbra uma relação directa entre o crescimento do investimento público e o crescimento do PIB real.

GRÁFICO 2. TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB REAL E DO INVESTIMENTO PÚBLICO NOMINAL

Fontes : MF, contas provisórias 2006  a 2010
Fontes : MF, contas provisórias 2006 a 2010

Entre 2006, ano de maior crescimento económico na década passada, e 2009, a taxa de crescimento real da economia desacelerou de 10,1% para 3,6%, recuperando ligeiramente para 5,4% em 2010, apesar do crescimento do investimento público à taxa média anual de 17% (A despesa pública total cresceu à taxa média anual de 10%). Esta discrepância sugere que o investimento público não é necessariamente o melhor instrumento para fazer crescer a economia.

A DESPESA CORRENTE DO ESTADO

Uma parte dos recursos que o Estado recebe dos contribuintes é utilizada para pagar salários aos funcionários, comprar bens e serviços, pagar juros e realizar outras despesas necessárias ao funcionamento do Estado. Quanto gastou o Estado com os funcionários? Que tipo de gastos tem o Estado com os seus trabalhadores? Como evoluíram essas e outras despesas correntes do Estado nos últimos anos? Vejamos em primeiro lugar a repartição das despesas correntes do Estado conforme natureza da despesa, utilizando os dados do ano 2010.

GRÁFICO3. DISTRIBUIÇÃO DA DESPESA CORRENTE DO ESTADO, POR NATUREZA DA DESPESA

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As despesas com pessoal absorvem 47% das despesas correntes do Estado e 51% dos impostos cobrados pelo Estado. Veremos mais adiante, a natureza das despesas do Estado com o pessoal. Os encargos com a aquisição de bens e serviços no mercado, a que, grosseiramente, se poderia chamar “consumo do Estado”, representam 8% do total da despesa corrente, mas a segunda rubrica mis importante são as “Transferências correntes”, valores que a Administração Central transfere para outras instituições públicas e privadas, que representa 27% da despesa corrente. Em conjunto, estas quatro rubricas concentram o essencial das despesas de funcionamento do Estado.
Vejamos, agora, como evoluíram no tempo recente.

QUADRO 2

Fonte: MF, contas provisórias 2006 a 2010
Fonte: MF, contas provisórias 2006 a 2010

Em 2010 o Estado gastou mais 3,3 milhões de contos com o pessoal do que em 2006, mais 1,3 milhões de contos na compra de bens e serviços, mais 254 mil contos em juros da dívida e mais 2,5 milhões de contos em transferências correntes. Em sentido inverso, pagou menos 2 milhões de contos em despesas diversas e menos 403 mil contos em subsídios (incluindo subsídios de combustíveis).
Tudo somado, o Estado gastou mais 5 milhões de contos (+ 22%) em despesas correntes no intervalo de tempo de quatro anos. Impõe-se, neste ponto, um breve esclarecimento. Os números que estamos a apresentar referem-se ao Estado Administração Central e Serviços e Fundos Autónomos. Estão incluídos não só os serviços da Administração Central do Estado, como também os Institutos e diversos Serviços e Fundos Autónomos. Mas não contemplam nem as despesas dos Municípios (apenas a transferência de fundos a que a Administração central é obrigada), nem os gastos das empresas do Estado, nem os do INPS)
Se compararmos as despesas correntes com os impostos que entregámos ao Estado na qualidade de contribuintes, constatamos o seguinte:

QUADRO 3

Fontes: MF, contas provisórias 2006-2010
Fontes: MF, contas provisórias 2006-2010

Os contribuintes pagaram mais 3,5 milhões de contos ao Estado (apenas em impostos, sublinhe-se), um acréscimo de 15% em quatro anos, mas o Estado gastou em despesas correntes mais 5 milhões de contos. Ou seja, ao longo dos quatro anos desde 2006, o Estado gastou a totalidade dos nossos impostos para cobrir despesas correntes, e ainda teve que ir buscar recursos adicionais, internos e externos, para pagar uma parte das despesas correntes e a quase totalidade da despesa de investimento.
As despesas correntes do Estado cresceram nos últimos quatro anos à taxa média anual de 5%. Se este ritmo de crescimento da despesa corrente continuar nos próximos anos, o Estado terá que aumentar os impostos ou irá encontrar dificuldades crescentes em financiar a componente interna das despesas de investimento. Ou então, reduz as despesas. Mas isso é outra história. Porque há despesas em que dificilmente se pode mexer. Analisaremos brevemente, de seguida, algumas dessas despesas, concentrando a atenção nos últimos três anos, 2008 a 2010.

DESPESAS COM PESSOAL

O Quadro 4 mostra a decomposição das despesas com pessoal e a respectiva evolução entre 2008 e 2010.

QUADRO 4

Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010
Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010

A primeira coluna contempla os items que integram a despesa com pessoal. As colunas seguintes indicam os valore em milhares de contos e o percentual de cada item em relação ao total dos encargos com pessoal do ano. As duas últimas colunas mostram a variação de cada item entre 2008 e 2010, em valor e em percentagem.

Desde logo, uma evolução estranha. As remunerações do pessoal dos quadros que representavam 80% das despesas com pessoal em 2008, diminuíram de 1,2 milhões de contos em 2010. Tratando-se de uma das rubricas mais difíceis de comprimir, a evolução é difícil de compreender. Salvo se observarmos a linha seguinte, do pessoal contratado que de 679 mil contos em 2008 dá um salto gigantesco, multiplicado por um factor de 4,7. Entre 2008 e 2009, as despesas com pessoal contratado aumentaram de 1,8 milhões de contos. Provavelmente haverá alterações na forma de contabilizar as remunerações que só uma análise detalhada, poderia esclarecer. Em todo o caso, a alteração ocorre em 2009 no ministério da Educação. Somando as duas linhas, ambas relativas a remunerações, verifica-se um aumento global de 1,3 milhões de contos em dois anos, mais 13%. Tendo em conta a modéstia dos aumentos salariais nesse período, provavelmente um aumento tão expressivo de gastos com remunerações reflecte um aumento importante do número de funcionários.

A segunda rubrica, mais importante no conjunto das despesas com pessoal, recebe o nome de “gratificações e subsídios” (juntámos as duas rubricas porque têm a mesma essência, mas nas contas do MF aparecem separadas). Este tipo de remuneração adicional, aumentou 47% em dois anos, mais meio milhão de contos (496 mil). Três quartos desse aumento ocorreram em 2010. Quem beneficia? Os membros do Governo? O pessoal dos quadros especiais? Os directores? Os assessores e consultores contratados? Esta é uma rubrica que devia ser esmiuçada e apresentada no seu detalhe, para que o contribuinte possa compreender um aumento tão importante num tão curto intervalo de tempo.
A terceira rubrica mais significativa, reporta-se às contribuições para a previdência social. Possivelmente serão os 15% que a entidade patronal, neste caso o Estado, é obrigado a descontar para o sistema de previdência dos trabalhadores por conta de outrem, uma vez que os novos funcionários são directamente inscritos no INPS. O aumento observado confirma em parte, a asserção anterior de que o número de funcionários deve ter aumentado significativamente nos dois últimos anos. Se assim for, os novos funcionários que entraram nos dois anos representaram um custo adicional de remunerações da ordem de 693 mil contos. Mas só o acesso aos dados primários permite confirmar esta suposição.

FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS EXTERNOS

Que items integram esta rubrica das despesas correntes do Estado? Vejamos o que nos diz o Quadro 5 (não se consideram os items da rubrica Aquisição de bens e serviços, que são menos expressivos).

QUADRO 5

Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010
Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010

Tomando o ano 2010 como referência, pode-se afirmar que foi um ano de grandes deslocações. Foram gastos 411 mil contos, mais 145 mil contos (+55%) do que em 2008. Foi o item mais importante dos “fornecimentos e serviços externos”, 19% do total, e igualmente o que mais aumentou em valor absoluto. As despesas com energia não reflectem, ainda, o aumento de preços que só ocorreu em 2011. Significa, portanto, que o Estado trabalhou muito mais, sobretudo em 2010, em que a factura de energia subiu de 247 mil contos para 346 mil contos, mais 40% num único ano. Ou então o ar condicionado ficou aberto mais tempo, as máquinas de fotocópia trabalharam mais tempo, os cortes de energia foram menos importantes, enfim um grande número de razões pode explicar o que aconteceu. Felizmente, houve poupança nas comunicações, o segundo item mais importante em termos absolutos.

O Estado gastou 161.457.372$00 em combustíveis e lubrificantes em 2010. Consideremos que 10% desse valor é gasto em lubrificantes. Ficam ainda 145.311.635$00 gastos em combustíveis. Simplificando e considerando um preço médio do gasóleo de 90$/litro em 2010, o Estado consumiu 1.615.574 litros de combustível. Se uma viatura consome em média, digamos, 12 litros aos 100 km, o total percorrido em 2010 pela frota do Estado é de 13,4 milhões de quilómetros. Nada desprezível. O perímetro da Terra no Equador é de 40 mil km. Se as contas do Liberal estão certas, as viaturas do Estado de Cabo Verde percorreram em 2010 o correspondente a 336 voltas ao nosso querido planeta. Claro que se trata de uma ordem de grandeza. O Estado não utiliza apenas gasóleo (mas o gasóleo é largamente dominante), nem utiliza combustíveis apenas em viaturas (mas é o essencial). O preço pode variar ao longo do ano, mas 90$00 litro é uma boa aproximação ao preço médio de 2010. É claro que o Estado é muito ocupado, os responsáveis têm que se deslocar bastante para fazer o seu trabalho, numas áreas mais do que noutras, mas convenhamos que haverá algum exagero na utilização de viaturas do Estado.

Aliás, mal se compreende que um Estado pobre (ainda que de rendimento médio) seja tão “mãos largas” nas benesses que concede ao pessoal dirigente da Administração pública, Institutos, Serviços autónomos e empresas públicas. Por que razão há-de o Estado pobre de Cabo Verde conceder a esses dirigentes viaturas para uso pessoal? Bastariam viaturas de serviço. E ainda por cima, não são, normalmente, viaturas modestas. Perguntar-se-á porque razão um director-geral de um serviço simples do Estado precisa de uma viatura tipo Prado? Para fazer o quê? Deslocar-se no trajecto casa, serviço, casa. Ou para ir passear a família no fim-de-semana no interior da ilha de Santiago ou do Fogo ou outra ilha qualquer? Combustível, manutenção, substituição de pneus e outras peças, tudo normal em viaturas de serviço. Mas utilizar o dinheiro do contribuinte para benesses desse tipo? Entende-se que assim deva ser, com limites e sem luxo, no caso dos órgãos de soberania, mas dirigentes da Administração do Estado? Porque, afinal, não estamos a falar de representação do Estado. E mesmo que o fosse, a dignidade não se confunde com luxo num país com tanta pobreza.

ENCARGOS DA DÍVIDA PÚBLICA

O Estado de Cabo Verde pede dinheiro emprestado, aos bancos, particulares e outras instituições no país, e aos bancos, instituições financeiras internacionais e Estados soberanos, no exterior. Contrai empréstimos para pagar as dívidas e realizar as suas despesas correntes e de investimento. E tem que pagar juros, porque almoços de graça são cada vez mais raros. O próprio Primeiro Ministro disse, com razão, não existirem almoços grátis. O Quadro 6 mostra a evolução recente dos juros e outros encargos da dívida pública interna e externa.

QUADRO 6

Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010
Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010

Os juros da dívida pública já têm o mesmo peso orçamental (8%), que os gastos com fornecimentos e serviços externos. Os juros da dívida interna são os mais importantes, 67% do total em 2010, o que reflecte a componente “ajuda externa” dos empréstimos concessionais obtidos junto das instituições multilaterais. Contudo, é preciso ter em mente dois aspectos. Primeiro, a dívida externa aumentou enormemente nos últimos dois anos (como mostraremos num próximo artigo) e a parte não concessional, que cobra juros mais elevados, tende a aumentar, o que fará os juros de empréstimos externos aumentar, nos próximos tempos, mais rapidamente do que os juros internos. Aliás, essa tendência já pode ser observada no Quadro 6. Em segundo lugar, os encargos com a dívida não se limitam aos juros. Estes são custos, mas é preciso não esquecer que os empréstimos são reembolsados igualmente. Ou seja, o serviço da dívida inclui os juros e o reembolso do capital. É assim com as empresas, com as famílias e com o Estado. Simplesmente, a amortização dos empréstimos aparece na conta do Estado a deduzir aos financiamentos obtidos no mesmo período. Não impede que sejam uma drenagem de recursos financeiros do Estado. O Quadro 7, mostra a dimensão real do serviço da dívida .

QUADRO 7

Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010 - Obs : Os encargos associados aos juros foram incluídos nos juros externos
Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010 - Obs : Os encargos associados aos juros foram incluídos nos juros externos

O Estado pagou 8 milhões contos como serviço da dívida pública em 2010, dos quais 5,9 milhões para reembolso da dívida e 2,1 milhões para pagamento de juros e outros encargos. No total, o equivalente a 31% dos impostos arrecadados em 2010. O serviço da dívida interna é largamente dominante, 67%. Esta situação pode alterar-se se e quando a famosa graduação a país de rendimento médio entrar em vigor. Nessa altura os juros da dívida externa tenderão a aumentar. De igual modo, os empréstimos comerciais que já representam 10% da dívida externa influenciarão negativamente o custo médio do endividamento do país no exterior.

TRANSFERÊNCIAS CORRENTES

QUADRO 8

Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010
Fontes: MF, contas provisórias 2008-2010

Para concluir a análise das despesas públicas correntes, um breve olhar sobre as transferências correntes, a segunda rubrica mais importante (27% em 2010) das despesas correntes. As transferências correntes aumentaram a sua expressão relativa, de 22% em 2007 para 27% em 2010, e os principais beneficiários são os Municípios, que absorvem 42% do total das transferências. As bolsas de estudo representam apenas 6% do total, mas aumentaram substancialmente em 2010 (+ 67 mil contos, contra 13 mil em 2009).

Mas o item que sofreu maior aumento relativo, (+59%), foram as pensões do regime não contributivo. E o ano de 2010 foi especialmente afortunado, um acréscimo de 198 mil contos (+30%). É provável que o número de beneficiados tenha aumentado substancialmente, ainda que o valor unitário das pensões tenha sido revisto. É sempre bom ter mais gente a receber pensões em período eleitoral.

As verbas afectas a pensões de aposentação, sobrevivência e reservas mostram tendência para aumentar a ritmo acelerado. Nos dois últimos anos foram mais 318 mil contos, um aumento de 20%. Em principio esta verba destina-se aos funcionários aposentados e aos que se irão aposentar e que já estavam na função pública antes da reforma do sistema. É provável que o valor das pensões a pagar pelo Estado venha a sofrer um agravamento súbito a partir de 2013 ou 2014, devido à provável aposentação de um número considerável de funcionários nessa altura.

Uma palavra final sobre os Serviços e Fundos autónomos. São estruturas do Estado que gozam de grande autonomia, inclusive na respectiva política salarial. Nalguns casos, a autonomia justifica-se, como acontece com as Forças Armadas, a Polícia Nacional e a Polícia Judiciárias. Noutros casos, esses serviços arrecadam receitas próprias que cobrem o essencial das suas despesas, razão porque não constituem uma sobrecarga para o Estado. É o que acontece com o Instituto Marítimo Portuário, o Cofre Geral da Justiça, Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, INGRH. Mas dos 32 Serviços autónomos, apenas 12 têm receita própria que excede 50% das suas despesas. Nesse caso, só sobrevivem com transferências da Administração Central, sem que se compreenda muito bem a razão da ser da autonomia, do nível remuneratório mais elevado e da autonomia de gestão.

QUADRO 9

Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

Globalmente, os Serviços Autónomos, representaram um encargo adicional líquido de
2,6 milhões de contos no período 2008 a 2010.

OS INVESTIMENTOS DO ESTADO
O Estado investiu 61 milhões de contos nos últimos três anos. Investiu em que áreas e em que proporção?

QUADRO 10

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Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

Quando se analisam algumas rubricas do Programa de Investimentos fica-se com a impressão de que muitas podem e devem ser consideradas actividades correntes do Estado. Por exemplo, os subprogramas “Promoção da igualdade e equidade dos géneros”, “Promoção dos direitos das crianças”, “Luta contra a droga”, “Consolidação da Acção Social Escolar”, entre muitos outros. São actividades correntes, que o Estado deve assegurar com os seus recursos próprios. Não sendo o caso, vejamos onde investiu o Estado ao longo dos últimos três anos.
As prioridades da governação resultam com clareza dos números. As infra-estruturas de transportes foram a prioridade máxima, com destaque para as estradas. Globalmente, as infra-estruturas de transportes custaram 20,6 milhões de contos, 34% do total dos investimentos públicos dos últimos três anos.

QUADRO 11

Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

Se acrescentarmos os 2,8 milhões de desenvolvimentos das infra-estruturas de energia, e sem considerar outros investimentos em infra-estruturas, atingimos 23,5 milhões de contos e 38% dos investimentos do Estado.
A análise por sector mostra, pela lógica da concentração em infra-estruturas, que o sector dos transportes globalmente absorveu 38% do investimento público e que conjuntamente com o sector energético (12%), representam metade de todo o investimento público realizado no período 2008/2010. É um nível de concentração enorme que tem como seu corolário lógico o subinvestimento nas áreas mais softs, que exigem menos betão, como educação, saúde, segurança das populações e justiça, por exemplo.
Ninguém contestará a importância de desenvolver o capital físico de um país que almeja o crescimento. É, digamos assim, um dos pilares em que pode assentar o crescimento. Mas quando ocorre um tal nível de concentração, há razões para duvidar da sua eficácia em promover o crescimento e o bem – estar das populações. Sem entrar no debate sobre os custos exagerados das modalidades de realização de muitas das obras do Estado, sem referir alguns elefantes brancos que começaremos a pagar a breve trecho e que pouco trazem para o desenvolvimento do país, o facto é que tão elevado nível de investimento concentrado em infra-estruturas, sobretudo estradas, não produziram resultados compatíveis com a dimensão do investimento.
Se compararmos o crescimento real do PIB em três períodos distintos da década passada, com o volume médio de investimento e o peso do investimento público no PIB, constatamos que a correlação é muito limitada.

QUADRO 12

Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

O período de maior crescimento, o biénio 2006/2007, apresenta um volume médio de investimento público e uma relação Investimento público /PIB bastante inferior ao dos três anos seguintes (2008-2010). Há outros factores mais importantes do que o investimento público para sustentar o crescimento económico.
A análise do Quadro 12 mostra que a Educação e Saúde receberam percentagens pouco significativas dos investimentos do Estado, 4% e 4,6%, respectivamente (a não ser que se considere que estes sectores já têm os seus problemas resolvidos). A Justiça (2,8%), Combate à pobreza (3%), Emprego (1,9%), Juventude (0,3%), Desenvolvimento do turismo (1,3%), Pescas (1,6%), são algumas áreas da acção governamental que ficaram marginalizadas. O sector agrícola (5,1%) e a Reforma do Estado (6,9%) receberam investimentos com algum significado.
Para se ter uma ideia mais completa das prioridades, talvez valha a pena entrar em linha de conta com a totalidade dos gastos do Estado nalgumas áreas mais sensíveis, incluindo as despesas de investimento e de funcionamento. O Liberal escolheu três áreas que considera, e talvez os contribuintes possam concordar, dos mais significativos para o progresso e o bem – estar das populações, a Educação, a Saúde e a Justiça. Eis os resultados.

QUADRO 13

Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

Os recursos do Estado afectos ao sector da Educação diminuíram no triénio 2008/2010, de 16% para 14% do total, e de 5,8% para 5,6% do PIB.
Tendência idêntica pode ser observada com as despesas do sector da Saúde.

QUADRO 14

Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

Finalmente, vejamos o peso da Justiça nos gastos do Estado.

QUADRO 15

Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010
Fonte : MF, Contas provisórias 2008 a 2010

Apesar de reduzido, o peso dos gastos do Estado com a área da Justiça evoluiu favoravelmente, contrariamente às duas áreas anteriores.
É claro que as prioridades da governação não se espelham unicamente nos valores, absolutos ou relativos, afectos a cada sector. Mas a afectação de recursos é um indicador não desprezível. Além disso, é preciso ter em conta a importância de avaliar a eficácia, eficiência e, acima de tudo, a efectividade da despesa pública. Gastamos muito num sector determinado, mas quais são os resultados concretos alcançados? Essa forma de encarar a utilização dos dinheiros públicos ainda está ausente do nosso modo de avaliar o desempenho das finanças públicas.
O fraco impacto do investimento público no crescimento económico deve-se, em boa medida, precisamente ao excesso de concentração nas infra-estruturas. A natureza dessas obras implica necessariamente uma muito forte componente importada, de equipamentos, de materiais e inclusive de mão-de-obra especializada. De igual modo, este tipo de obras emprega relativamente pouca mão-de-obra e não promove actividades que favoreçam a criação de postos de trabalho permanentes. Apesar do forte investimento público em 2008/2010 (61 mil contos, dos quais, 75% em 2009 e 2010), a taxa de desemprego, calculada de forma consistente com a prática anterior, situava-se em 21% em 2009/2010, 3 pontos percentuais acima do desemprego de 2008.

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