A próxima sessão plenária da Assembleia Nacional, a iniciar nesta segunda-feira, 27, tem uma agenda superlotada incidindo em vários pontos sensíveis. De uma assentada, os parlamentares vão discutir o Orçamento Geral do Estado, o Orçamento Privativo da Assembleia Nacional, eleger os membros para os conselhos superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público, interpelar o Governo sobre a política energética para o país; votar a proposta de lei que cria a Autoridade Reguladora para a Comunicação Social; entre outras propostas. Uma sobrecarga contraproducente sobretudo quando se sabe que as jornadas parlamentares arrancaram há pouco mais de cinco dias, deixando aos deputados muito pouco tempo para preparar debates que se prevêem difíceis.
Desde logo, o Orçamento Geral do Estado para 2011 vai chamar a si mais de metade do tempo disponível para o debate nesta sessão parlamentar que começa no próximo dia 27. Tão aguardado quão polémico, o debate adivinha-se escaldante à volta do bolo em que todos almejam a maior fatia possível. A começar pelos trabalhadores cabo-verdianos que, além do aumento salarial – o que os sindicatos chamam metaforicamente de “reajuste” no poder de compra, entretanto liminarmente descartado na Concertação Social, tanto pelo Governo quanto pelos empregadores –, também exigem o 13º mês este ano. Esta é uma promessa antiga do primeiro-ministro e da qual as duas centrais sindicais dizem que não vão desistir. Atreve-se a batalha social que vai continuar na plenária.
A discussão também se adivinha escaldante no campo politico – situação e oposição – já que o MpD mal teve o documento em mãos veio a público acusar “o governo do PAICV de estar a hipotecar o futuro do país”. O maior partido da oposição, através do seu líder parlamentar, Fernando Elísio, critica sobretudo o facto de o OGE não prever qualquer aumento salarial, apesar do agravamento da taxa de inflação na ordem dos 3 a 4 por cento. O aumento da dívida pública – que, segundo os ventoinhas, cresceu de 75,4% para 81,5% – é outra tempestade apocalíptica que o MpD deve anunciar com raios, coriscos e trovões.
E maugrado os paninhos quentes da ministra das Finanças – para quem a não actualização salarial acontece por culpa da crise internacional –, que desdramatiza, apontando a tendência para a hiperbolização e sustentando a tese de que a dívida pública está dentro dos limites porque “por detrás destes números está um endividamento com taxa de juros de 1,8%, com prazos de amortização de 25 e 30 anos”, o cenário não é famosa.
Também em defesa da sua dama, o Director Nacional do Orçamento e Contabilidade Pública realça os aspectos positivos deste OGE para contrariar o quadro negro pintado pelo MpD. Elias Monteiro explicita que o OGE para 2011 cresceu 13,4% em relação ao do ano anterior enquanto o deficit orçamental diminuiu 3,3 pontos percentuais, passando de 13,6% para 10,3% do Produto Interno Bruto.
Assim se anuncia um debate em degrade com tonalidades extremas entre a situação e a oposição, onde não devem faltar as já habituais trocas de “mimos".
Como se não bastasse essa discussão sempre complicada do OGE, na sessão plenária de Junho os deputados vão debater ainda o orçamento privativo da AN e muitas outras propostas que acarretam um certo nível de complexidade. Entre estas, a eleição dos quatro membros para o Conselho Superior de Magistratura Judicial e igual número para o Conselho Superior do Ministério Público.
O Parlamento também agendou uma proposta de resolução que deve ratificar o Tratado de Roma, o Tribunal Penal Internacional, a Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, assim como o acordo relativo à Organização Internacional de Telecomunicações por Satélite. Todas elas são matérias sensíveis, relativas a leis de cooperação – em áreas como crimes contra a humanidade, tráfico internacional de pessoas e drogas – que exigem uma discussão cuidada por parte dos parlamentares.
Enfim, agenda pesada e sensível que, dizem deputados dos dois lados do hemiciclo, tem como agravante o facto de ser antecedida de muito pouco trabalho de casa: os deputados tiveram pouco mais de uma semana para as jornadas parlamentares prévias à sessão plenária. Tempo que não chegou sequer para um debate detalhado no seio dos respectivos grupos parlamentares. Muito menos ainda para sustentar, na plenária, teses fundamentadas – com base em análise técnica, científica, sociológica económica e jurídica – para decidir sobre pontos tão estruturantes da vida nacional como são o OGE, os órgãos que vão suportar a justiça, CSMJ e CSMP, a comunicação social e outros. Aliás, nos dias que antecederam esta sessão muitos deputados andavam por aí dispersos em supostas visitas aos respectivos círculos eleitorais, quando o estatuto de deputados profissionalizados impõe-lhes uma presença mais assídua na Praia, no Palácio da Assembleia Nacional, para que esta passe de uma vez por todas a funcionar ao ritmo que o país reclama e necessita.
Por outro lado, não se entende por que não programaram a análise do orçamento privativo da AN para a sessão de Maio, quando o Parlamento fez pouco mais do que reapreciar e aprovar os novos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público. Ou seja, enquanto em Maio os deputados praticamente não fizeram nada, agora mistura-se, numa sessão que é suposto durar cinco dias, dossiers tão complexos que vão ser despachados a toque de caixa. No fundo, temos um OGE que, além de chegar tarde ao Parlamento e agora, vai ficar pelas palavras de conveniência entre o regresso conveniente aos anos 90, e uma “acelerada” na máquina do tempo para levar-nos, a todos, mais depressa ao fim do mundo. Ou seja um contraproducente fim da história de Fukuyama. Na contra-mão das expectativas de um Cabo Verde a receber o impulso certeiro. Pouco producente, convenhamos.
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