A primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo do verbo heuriskein é Eureka, que significa “encontrar”. Hoje, tal palavra, é rotineiramente utilizada para registar uma descoberta, um achado ou o término de uma busca.
Quiçá, à semelhança de Arquimedes quando descobriu que o volume de um corpo pode ser determinado a partir da quantidade de água movida com a submersão do mesmo, o Presidente da República, Senhor Pedro Pires, deu o grito de “Eureka!” quando marcou as eleições para 7 de Agosto. Além de ter encontrado a data ideal, no seu entendimento pôs também termo a um processo que vinha gerando algumas especulações.
Contudo, a data escolhida tem dado azo a sobeja controvérsia, por se entender que coincide com o período das férias caracterizado por uma grande mobilidade de eleitores, o que poderá ditar uma menor participação nas eleições, isto é, pode concorrer para uma alta taxa de abstenção.
Correm rumores de que uma das razões que impenderam na escolha do Presidente da República é o facto de, uma vez que completou cinco anos do seu mandato em Março passado, ele querer evitar que a sua decisão possa ser interpretada como um acto de continuar no poder por mais alguns meses em resultado das prerrogativas advindas da última revisão constitucional.
A Constituição reza no nº2 do seu artigo 112 que "Salvo nos casos de vacatura do cargo, a eleição não poderá realizar-se nos cento e oitenta dias anteriores ou posteriores à data das eleições para a Assembleia Nacional" e acrescenta ainda no nº 3 do mesmo artigo "que para dar cumprimento ao disposto na segunda parte do número antecedente, observar-se-á o seguinte: a) Se a eleição para a Assembleia Nacional estiver prevista para data anterior à do Presidente da República, o mandato deste será prorrogado pelo tempo necessário".
O artigo supra-citado atesta claramente que o Presidente da República tinha o respaldo constitucional mais do que suficiente para não ter os infundados receios contidos nos rumores atrás mencionados.
Por outro lado o código eleitoral no seu Capítulo V (Marcação das Eleições), no nº2 do artigo 89 estipula que "As eleições só podem ser realizadas em dia domingo ou em dia feriado nacional".
Conjugando estes dois artigos e em consequência das legislativas terem ocorrido a 6 de Fevereiro, o Presidente da República tinha que marcar a data do pleito presidencial num domingo ou feriado a partir do dia 5 de Agosto, que é uma sexta-feira, altura em que se completam seis meses sobre as legislativas. Entretanto, o nosso Presidente, com todo o mecanismo de defesa do seu lado, conforme atestam os artigos atrás mencionados, para com legitimidade escolher a melhor data para as próximas eleições Presidenciais, decidiu escolher o domingo imediatamente a seguir à completude dos seis meses relativamente às legislativas, isto é, apenas dois dias depois, 7 de Agosto de 2011.
A prerrogativa da escolha da data é-lhe reservada pela Constituição. Contudo, tal não pode servir de impedimento para que não se discuta se os critérios subordinados à mesma são os melhores ou não. E digo-o aqui: a escolha feita não pode deixar de ser criticável! É de questionar, sem rodeios, se é uma boa data ou não.
No que tange aos critérios que devem estar subjacentes a esta escolha existe um que tem de ser a mãe e servir de chapéu para a decisão em causa, pois a escolha da data das eleições devia comportar o desejo de contribuir para uma maior participação dos eleitores dado que a qualidade de uma democracia está imperativamente associada ao grau de participação dos eleitores.
Também, no que tange à aferição da qualidade da democracia, uma das dimensões a ter em conta é a igualdade de oportunidades de participação política. Trago à liça esta questão porque entendo que são notórias as desigualdades reais de distribuição de oportunidades de participação no processo político com que a diáspora cabo-verdiana tem convivido, mormente nas questões da organização do processo eleitoral.
Existem estímulos de vária ordem, bastante evidentes, que têm potenciado discriminações que dificultam a participação dos nossos imigrantes na vida política da nação Cabo-verdiana. Como é consabido, o mês de Agosto é o mais procurado pelos nossos conterrâneos para fruírem as suas férias em Cabo Verde, pelo que iremos ter pela altura das eleições presidenciais muitos dos nossos imigrantes deslocados relativamente ao círculo onde estão recenseados o que, naturalmente, os irão impedir de exercer o seu direito de voto e consequentemente confluir para o engrossamento da taxa de abstenção.
Com isto, devemos concluir que o actual Presidente da República, que em tempos idos, quando ainda era Primeiro-Ministro no regime de partido único, alcunhou os imigrantes de estrangeirados, agora, na democracia, com a escolha do dia 7 de Agosto para a realização do pleito eleitoral que irá indicar o seu sucessor, está a dar uma grande machadada na qualidade da nossa democracia e a nele impedir que haja uma efectiva participação da nossa diáspora, que curiosamente tem decidido estas eleições, pelo menos, as duas em que tomou parte.
Neste caso, ao que parece, o Presidente da República, por razões que a razão desconhece, foi muito expedito, diria muito apressado, em antecipar as eleições para o primeiro dia permitido por lei no prazo que tinha ao seu dispor, o que me leva a citar um adágio popular muito usado pelo meu amigo Juvenal Amarante segundo o qual "as cadelas apressadas parem cães cegos".
É responsabilidade e obrigação de todos os actores políticos zelarem para que a qualidade da nossa democracia faça um percurso em crescendo. Igualmente, não se pode dar margem para que os imigrantes, peça essencial no desenvolvimento de Cabo Verde, se sintam marginalizados nos seus direitos mesmo quando quem decide tenha do seu lado o amparo da legitimidade e da legalidade.
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