Na edição on-line deste semanário, publicou-se dias atrás, uma peça intitulada “PR acusado de ingerência em assuntos do governo”. O corpo do artigo permite inferir que a “ingerência” terá sido declarações do Presidente da República sobre a data das eleições autárquicas, da competência do Governo, ouvidos os partidos políticos.
Por: Mário Matos
Mas, em nosso entender, mais que esse quiproquó sobre competências de órgãos de soberania e a devida e necessária contenção que quem desempenha tão elevado cargo público deve ter, é uma enigmática frase de um Deputado do MpD, citada no mesmo artigo. Vale a pena transcrevê-la na íntegra: “O presidente devia esperar para depois de o governo ouvir os partidos para tecer considerações sobre as datas. É claro que para nós do MpD seria bom que as eleições fossem, de facto, antes do 5 de Julho, mas o PR, por uma questão ético-política não deveria antecipar o processo, denunciando a estratégia do MpD para as eleições”.
A interpretação destas declarações conduz-nos a questionamentos, se não conclusões deveras interessantes. Vejamos. Ficamos a saber que i) à estratégia do MpD convém que as eleições municipais se verifiquem antes do “5 de Julho; ii) que, pelo menos, há uma voz no MpD - e não será uma voz qualquer por ser a de um Deputado da Nação – que considera que houve uma falha “ético-política” do PR, mas, sobretudo, III) ficamos inteirados de que essa falha do PR“ denuncia a estratégia do MpD para as eleições”.
Sem dúvida que a cereja encimando o bolo é a frase final de que o PR, procedendo como procedeu, denuncia a estratégia do MpD. O que o Deputado do MpD quer significar com esta frase é que há uma estratégia autárquica do MpD e o Presidente da República está por dentro ou é parte?
A questão é tão grave – da eventualidade de o árbitro afinal jogar numa das equipas - que o MpD deve uma explicação pública aos cabo-verdianos e estranha-se que o PAICV e a UCID não tenham sequer mencionado tal facto. Para os que seguem com atenção o processo político cabo-verdiano já era mais que provável que, em ganhando Jorge Carlos Fonseca as eleições presidenciais, a tentação pela “estratégia da tenaz” iria ser forte: colocar a Maioria Governamental, entre o desgaste do PR e o desgaste da Oposição.
Já não é mais iludível que esta estratégia esteja em curso. Resta somente avaliar o arrojo que ela pode assumir. Ou seja, a “estratégia de tenaz” pode ter dois cenários: i) um, de curto prazo, diríamos, “revolucionário”, visando a criação de condições sociais e políticas que permitiriam ao Presidente da República declarar a existência de uma “crise institucional grave” (n. 2 do art.º 143º da CRCV) e que conduziria à dissolução do Parlamento e consequente marcação de eleições antecipadas; ou ii) um cenário de legislatura dito de “normalidade”, em que a Maioria Governamental e o seu líder ficariam sistematicamente entre dois fogos, do PR e da Oposição (esta no Parlamento e na acção política extraparlamentar), em desgaste permanente, chegando ao final do mandato exaustos e com a imagem erodida. Qualquer desses cenários implica resultados desastrosos do PAICV nas autárquicas, à semelhança da tentativa da liderança ventoinha de então aquando das eleições municipais de 2008, de impor o sentido da derrota do PAICV como avaliação negativa da governação pelo eleitorado, categoricamente desmentido quer por sucessivas sondagens quer, sobretudo, pelo histórico terceiro mandato posteriormente ganho nas urnas.
Mas, igualmente, qualquer destes cenários conta com a expectativa da Oposição da fragilização do PAICV e da sua liderança (no seu sentido estrito e colegial) pela continuação da di-visão revelada e agravada com os acontecimentos afectos às presidenciais de 2011.
O segundo cenário é o mais plausível até porque já em curso desde os primeiros momentos do consulado deste Presidente da República. É tomarmos algum tempo a fazer a retrospectiva das visitas aos Concelhos, logo após o empossamento e o regresso da deslocação privada ao exterior, (bisando o circuito que tinha acabado de fazer nas campanhas eleitorais), visando a criação de condições de produção de declarações de desgaste ao Governo; as declarações em relação a dados processos e casos políticos e institucionais, por vezes eivados de conflitualidade, nomeadamente no relacionamento entre câmaras dirigidas por equipas do MpD e o governo central em que, claramente o PR tem exercido o papel de jogador e não de árbitro; pronunciamentos na sequência de convenientes audiências a individualidades em que se mandam recados ao governo e ao Primeiro-Ministro (vide o caso do Maio…); declarações que lançam para a ribalta política a insinuação de que o governo/PM teriam “cartas na manga” em relação ao “verdadeiro” estado do país em matéria económica e financeira quando poderia ter interpelado directamente o PM nas suas reuniões semanais; uso integral, em pronunciamentos públicos, de expressões da autoria do líder do MpD na luta de imposição de sentido no campo político e, last but not least, o mais recente périplo por municípios, praticamente com eleições municipais às portas e a gafe de se pronunciar, antes do governo em matéria que é da competência deste, sobre a data mais indicada para a realização das eleições autárquicas.
Esta é a “estratégia da tenaz” (e de “água mole na pedra dura…”) a funcionar em pleno, em que, não poucas vezes, um PR palavroso, com enorme sede de protagonismo concorrencial ao do governo e do PM, assume, na prática, um discurso e postura de verdadeiro líder de Oposição. Será essa realidade que o Deputado do MpD revelou num lapsus linguae embaraçoso? Só terão dúvidas os que as que querem manter…
Do PAICV espera-se que reconstrua a sua coesão com base na intensificação do diálogo intramuros, na diferença sim, mas com o sentido de objectivos estratégicos, causas e princípios comuns; que dê o seu máximo para arrancar bons resultados nas autárquicas mas, sobretudo, pela necessidade de um novo patamar de intervenção municipal em matéria de políticas públicas locais mais ousadas e de mecanismos outros, para uma maior participação dos cidadãos na gestão autárquica; e que continue a governar para o bem comum, para resultados que façam ascender Cabo Verde a patamares cada dia mais avançados em matéria de Desenvolvimento e Democracia. Diria, em síntese, que o desafio maior do PAICV é reinventar-se e inovar na continuidade – nas causas de esquerda democrática, na boa governação, no aprofundamento e a consolidação da Democracia e no Desenvolvimento com justiça social, vigilante e combativo – custe o que custar - em relação à rotinização (da má rotina) e aos erros e vícios que, naturalmente, a governação num terceiro mandato também comporta.
Na coabitação, basta cumprir a Constituição da República, com elevado sentido de interesse público e do bem comum e com a devida inteligência para impor que governar Cabo Verde não é um jogo de azar.
Deste modo, a “tenaz” há-de se fragilizar por alguma das suas maxilas, senão em ambas…
Mário Matos
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