José Maria Neves: “Ganhar 12 câmaras é uma vitória para o PAICV” 25 Março 2012
É inevitável entrevistar o presidente do partido no poder, PAICV, sem que se fale também com o Primeiro-ministro – e vice-versa. Daí esta conversa de José Maria Neves com o A Semana, abordar as diferentes esferas do poder em Cabo Verde: sua governação que vai até 2016, tal como prometeu ao povo cabo-verdiano; as 12 (em 22) Câmaras que o PAICV tem de conquistar para cantar vitória nas eleições autárquicas; e o código de ética que deve ser firmado pelos principais actores políticos do país. José Maria Neves defende ainda, ao longo desta entrevista, “uma profunda reforma do Estado a acontecer em Cabo Verde. Penso que esta reforma também poderá ter reflexos no sistema de governo cabo-verdiano”. Mais, a regionalização “tem de ser muito bem pensada e aprofundada”, tendo em conta os exemplos que já existem noutros países. No fim, aponta o presidente do PAICV e Primeiro Ministro de Cabo Verde, “cada ilha deve ser uma região administrativa”.
Entrevista: Isabel Marques Nogueira Fotos: Eneias Rodrigues
Como está a unidade dentro do PAICV, frente a um novo desafio eleitoral?
A escolha dos candidatos, em qualquer eleição, é complexa e intensa. Como diria Norberto Bobbio, “a democracia é subversiva”. Mas nós fizemos o exercício da democracia, buscámos entendimentos e temos candidatos muito fortes em todos os municípios do país.
Quer dizer que não foi consensual a escolha dos cabeças-de-lista?
Todos os cabeças-de-lista resultaram de processos democráticos, com a tensão inerente a estes processos de escolha. Mas posso dizer que o PAICV está coeso, unido, e parte muito determinado para estas eleições autárquicas.
Para esta selecção houve sondagens ou debate nas bases do partido?
Combinámos sondagens e debates nos órgãos próprios e também diálogo com os diferentes candidatos. O PAICV é um partido descentralizado, compete às comissões políticas regionais escolher os seus candidatos. E os estatutos foram integralmente cumpridos nesta matéria.
Que concelhos deram mais dor de cabeça ao PAICV, por não haver tanto consenso?
Houve alguns municípios onde a escolha foi natural, mas houve outros onde tivemos intensos debates, muitas discussões, até chegarmos ao entendimento final. São os casos de São Filipe, Santa Catarina do Fogo, Tarrafal de São Nicolau, Porto Novo e Santa Catarina de Santiago, por exemplo. Há vários casos onde tivemos de fazer debates intensos, sempre seguindo as regras do jogo e o princípio que é de ouro em democracia: o respeito pelas decisões da maioria.
Luís Pires é nosso candidato
Se Eugénio Veiga estava disponível para se manter em São Filipe, no Fogo, porquê a escolha de Luís Pires?
Eugénio Veiga declarou cedo que não ia ser candidato às eleições autárquicas de 2012, ainda antes das presidenciais. E nós, mediante a sua decisão, abrimos as discussões. Fizemos os debates necessários e a proposta do Conselho de Sector de São Filipe foi no sentido de Luís Pires ser o candidato.
Mas a decisão de apoio a Luís Pires ainda não era pública… Não podiam incluir Eugénio Veiga na escolha quando ele se mostrou, entretanto, disponível?
Eugénio Veiga ainda não voltou atrás, está a ponderar…
Mostrou-se disponível para o PAICV…
Quando o Conselho de Sector fez a escolha, Eugénio Veiga não era candidato. Só depois da decisão sobre Luís Pires, tendo discordado desta opção, é que abre a eventualidade de se recandidatar. Mas o partido, mediante a decisão inicial de Eugénio Veiga de não se recandidatar, decidiu abrir um processo de escolha e, agindo democraticamente, escolheu Luís Pires e ele é o nosso candidato. Se Eugénio Veiga tivesse mostrado disponibilidade inicial seria o candidato do PAICV?
Acho que se se mostrasse disponível desde o início teria todo o apoio dos órgãos locais do partido, e dificilmente surgiriam outros candidatos.
Caso Eugénio Veiga siga como independente não haverá divisão?
Espero que Eugénio Veiga – pelo seu percurso, pela sua coerência e adesão aos princípios e valores do PAICV – não se recandidate, nesta altura, como independente.
Mas teme uma possível candidatura?
Nunca tememos a democracia e o exercício livre dos direitos e liberdades dos membros do PAICV.
Mas há o risco de Luís Pires perder para Eugénio Veiga, ou seja, o PAICV pode perder São Filipe para um independente.
Sempre que vamos a eleições abrimos a possibilidade de ganhar ou perder. Mas vamos trabalhar com determinação para que o PAICV continue a ganhar em São Filipe. E devo dizer que o PAICV, com a candidatura de Luís Pires, está muito forte, quase imbatível, segundo os dados das últimas sondagens em São Filipe.
Têm feito sondagens todas as semanas?
Não, mas temos alguns indicadores importantes sobre todos os municípios do país.
Curiosamente, também no Fogo, que é bastião do PAICV, há o caso de Mosteiros. Fernandinho Teixeira recandidata-se mas houve disponibilidade de outras candidaturas e há uma, em aberto, para seguir como independente. Não estará o PAICV a desmoronar a sua fortaleza no Fogo?
Não. O PAICV nunca esteve tão forte no Fogo como agora. O PAICV é um partido muito forte e pelo seu desempenho, Fernandinho Teixeira é um grande autarca e está em condições de reforçar a maioria que tem, neste momento, nos Mosteiros.
O facto de Pedro Centeio ter tentado uma negociação com Fernandinho Teixeira para integrar as listas e o seu projecto para o concelho…
Fernandinho Teixeira abriu-se às negociações. Só que, dentro de um partido político há princípios e há valores. Há regras também e não podemos rasgar o nosso catálogo de princípios e valores só para não haver dissenso dentro do partido. Não podendo aceitar determinadas condições impostas, não teríamos outras alternativas senão avançar com a nossa candidatura. E a prova de abertura ao diálogo é que Fábio Vieira, que também era pré-candidato vai agora integrar a lista de Fernandinho Teixeira, após o debate democrático que foi feito dentro do partido.
Pedro Centeio contou ao A Semana que manifestou a vontade de se candidatar aos Mosteiros mas o PAICV nem se interessou em ver o projecto que tinha em mãos. É prática normal do partido decidir sem ver a proposta que existe?
Em todos os municípios, houve uma grande abertura ao diálogo e ao debate democrático que demandam cedências mútuas. Não podemos é considerar que ao apresentarmos uma proposta ela tenha de ser aceite num processo negocial de forma absoluta e total. Não. Temos de ter a perspectiva de abertura, de negociação política, para conseguirmos ter ganhos comuns. Em todos os círculos eleitorais onde surgiram várias candidaturas, sempre houve abertura ao diálogo e ao debate interno, ao respeito das regras do jogo para que as escolhas fossem democráticas. E foi isso que aconteceu.
Mas Pedro Centeio diz que o partido nem viu o projecto.
Houve negociações, segundo os dados de que disponho, mas as condições não eram de todo aceitáveis.
Que condições? O que é que não era aceitável?
Há algumas condições que colidem com a nossa forma de fazer política, e também com alguns princípios e valores do próprio partido.
José Maria Veiga, um amplo consenso no PAICV-Santa Catarina
Falemos de Santa Catarina de Santiago. Um elemento do governo era a única escolha para tentar derrubar Francisco Tavares?
No caso de José Maria Veiga foi quase que um chamamento. Quer dos quadros, quer de várias personalidades e pessoas de vários partidos… Foi uma proposta que emergiu em Santa Catarina e que acabou por permitir um amplo consenso dentro do PAICV, em Santa Catarina. A sua escolha foi unânime no Conselho de Sector.
José Maria Veiga já era falado há muito tempo. Quando assumiu a pasta das Infra-estruturas, já se falava no seu nome para Santa Catarina. Porque é que lhe foi atribuído um ministério? Para o manter na vida activa política e com isso ganhar mais protagonismo para a câmara?
José Maria Veiga já era ministro e na altura, nas últimas legislativas, nem se punha a questão…
Há um ano que se fala nisso.
Mas era uma possibilidade remota, havia outros candidatos. Nos últimos meses é que esta ideia ganhou força e passou a ser mais perceptível para mim. A ida de José Maria Veiga para o governo tem a ver com o seu desempenho, com a sua competência, engajamento e a sua capacidade de liderança.
Quem é que o vai substituir?
Dentro de dias indicarei ao Presidente da República um novo nome.
Na próxima reunião semanal, esta terça-feira?
Eventualmente.
Já que estamos em Santiago... Fernando Moeda foi o último nome que conseguiu para a capital?
Foi o nome consensual que se construiu na Praia, a partir de um debate interno muito forte a nível da Comissão Política Regional de Santiago Sul. Penso que todos os dirigentes, estruturas do partido e militantes devem engajar-se, em força, nesta candidatura.
Mas não era o nome que se falava dentro do partido. Houve, inclusive, a necessidade de Felisberto Vieira e Janira Hopffer Almada virem a público dizerem que não eram candidatos.
Nas escolhas dos candidatos para as diferentes eleições há sempre muita disputa, muito debate, há preferências de vários segmentos dentro do partido e essas preferências dentro do partido acabam por irromper na esfera pública, provocando também um debate na opinião pública. Mas isso é normal, é natural.
Ao escolher Fernando Moeda, que não tem estado na política activa de forma mediática, é dar a Praia como perdida?
Fernando Moeda é um nome forte. É membro da Comissão Política do PAICV e tem desempenhado cargos importantes nas estruturas partidárias. Já foi, inclusive, candidato em 1996, quando protagonizou a candidatura à presidência da Assembleia Municipal. Em 2008, foi o segundo da lista de Felisberto Vieira para a Praia. É uma figura conhecida e também um dirigente do PAICV.
Em 2008 integrou a lista derrotada e não tem estado politicamente activo…
Pode não ter um grande nível de notoriedade, que terá de ganhar agora, fazendo a campanha eleitoral, apresentando-se nos bairros, debatendo com os diferentes segmentos da sociedade praiense. É um praiense, nasceu cá, estudou aqui na cidade, exerceu sempre aqui a sua profissão de jurista e advogado e tem sido, nos últimos anos, um dos administradores do BCA. Desde o início da década de 90 tem exercido funções de liderança no partido.
Ulisses Correia e Silva tem protagonismo e já foi, inclusive, elogiado por si.
Os presidentes das câmaras acabam por ter sempre algum protagonismo, porque estão no poder. Não nego o bom desempenho do Dr. Ulisses Correia e Silva, mas devo dizer que confio que o PAICV poderá fazer muito mais e melhor pela Praia. E não só. O PAICV vai trabalhar para ganhar em todos os municípios do país, esta é a nossa determinação e vontade. A nossa perspectiva é alcançar um novo momento no poder local de Cabo Verde, assumindo novas ideias, novos projectos, um outro nível de governação local, com as próximas eleições.
Na Brava, o PAICV também teve de travar uma luta entre a candidatura do repetente Camilo Gonçalves e a de Clóvis Silva. Este vai apoiar o candidato escolhido pelo PAICV?
As disputas internas são fermentos que acabam por densificar o processo democrático interno. Na Brava houve debate e possibilidade de candidaturas alternativas a Camilo Gonçalves, mas a Comissão Política Regional decidiu que o candidato devia ser Camilo e é ele o nosso candidato. Feita a escolha democrática, todos devem envolver-se. A democracia é mesmo assim, não estamos todos de acordo, há liberdade de dissenso mas, feita a escolha democrática, esta deve ser respeitada. Tenho dito sempre que o respeito pela maioria é um dos princípios de ouro da democracia e claro, todas as decisões podem ser contestadas internamente, através de mecanismos próprios. Feitas as escolhas e não havendo contestação, todos devem envolver-se e trabalhar para a realização plena dessa decisão. É o que tenho tentado fazer dentro do partido.
Caso os possíveis independentes assumam candidaturas, são excluídos do partido?
Quem decidir candidatar-se como independente entregará, com certeza, o cartão de militante. Deixarão de ser militantes do partido.
E poderão regressar?
Penso que há aqui uma questão ética que deve ser analisada. Julgo que não podemos continuar a ter esse jogo dentro dos partidos políticos. Pessoas que estão nos partidos e não respeitam as escolhas democráticas, que entregam o respectivo cartão para sair e se candidatarem, e depois regressam ao partido como se nada tivesse passado… Temos de estabelecer regras de conduta, temos de ter maturidade individual e organizacional para respeitarmos os princípios e valores do partido, as regras do jogo, e assumirmos, plenamente, a nossa condição de militante com direitos, sim, mas também com deveres e obrigações.
O PAICV entregou o Norte do país a mulheres. Foi propositada a escolha feminina ou é coincidência?
Elas destacaram-se e os consensos convergiram para os nomes delas. São grandes dirigentes do PAICV e também pessoas que já desempenharam cargos importantes no Parlamento e no governo. Filomena Martins, Rosa Rocha e Leonesa Fortes já foram membros do governo. Vera Almeida foi secretária geral do governo e também membro da mesa da Assembleia Nacional. Têm muita experiência política, uma grande capacidade de liderança e são muito fortes. Acho que Santo Antão e São Vicente ganhariam enormemente elegendo estas quatro mulheres para câmaras municipais do Norte de Cabo Verde.
Até à data são as únicas mulheres nas listas. Quando é que são divulgados os líderes para as assembleias municipais e restantes equipas camarárias?
Estamos a fazer um esforço para, onde haja possibilidade, as mulheres liderarem as listas das assembleias municipais. Aqui na Praia, por exemplo, a candidata é uma mulher, Ana Maria Freire. Portanto, estamos a trabalhar para, lá onde for possível, as mulheres terem uma forte participação não só nas listas para as assembleias mas também para as câmaras municipais. Estamos a trabalhar as diferentes estruturas do partido neste sentido.
Tem sido difícil arranjar candidatos para as assembleias ou mesmo para as equipas camarárias?
Não, há muitos candidatos, em quase todos os municípios. Há também um debate interno para se fazerem escolhas consensuais.
Essas escolhas ainda não são conhecidas por excesso ou défice de candidatos?
(Pausa) Há debate interno para a escolha. Neste momento, há vários candidatos para os diferentes cargos que temos para apresentar e é preciso sempre que haja muita ponderação, muito debate interno e o exercício pleno da democracia.
Porquê a escolha de Júlio Correia para liderar o processo das autárquicas, um homem que estava nas presidenciais contra a escolha do PAICV? Uma tentativa de unir o partido?
É membro da Comissão Política (CP) e já foi autarca, tem uma experiência política grande e a CP decidiu escolher Júlio Correia, juntamente com outros camaradas – o secretário-geral do partido e o secretário-geral adjunto –, para liderarem este processo de escolha dos candidatos. Sendo certo que a competência é das comissões políticas regionais, no caso do PAICV. Não é competência da Comissão Política Nacional. Esta Comissão Nacional das Autárquicas funcionou um pouco como facilitador do diálogo e do debate, como garante do cumprimento das orientações dadas pelo Conselho Nacional sobre a escolha dos candidatos e também para incentivar o debate interno, a nível das comissões políticas regionais.
Mas Eugénio Veiga bateu o pé, precisamente, por ser Júlio Correia a liderar este processo. Não poderá ter acontecido o mesmo noutros municípios?
Não tenho essa percepção, até porque já disse que Eugénio Veiga é que decidiu não se recandidatar, desde o início. Quanto ao nível de aceitação em relação a Júlio Correia, não me posso pronunciar, porque será uma questão de relacionamento pessoal que não me compete avaliar.
Limitar autárquicas a três mandatos
É a favor da limitação de mandatos?
Absolutamente, devemos limitar os mandatos.
O PAICV está a repetir todos os candidatos que estão no poder municipal, excepção feita a São Filipe.
A maioria está a fazer o primeiro mandato, com excepção para o Fogo (Mosteiros), a Brava e Santa Cruz, os outros estão a acabar o primeiro mandato. Mas acho que devemos limitar a três mandatos a nível das autarquias locais.
O que é que o PAICV considera uma vitória?
Ganhar a maioria das câmaras. Se ganharmos 12 consideramos que é uma vitória. Ganhando as 10 onde estamos no poder, e mais duas autarquias, consideramos que é uma vitória. Será um bom resultado para o PAICV.
Mesmo que essas 12 câmaras não incluam a Praia, São Vicente ou Santa Catarina…
Neste momento, não falamos especificamente de câmaras, estamos a trabalhar…
Mas são os maiores municípios…
Estamos a trabalhar, igualmente, em todos os municípios para termos bons resultados e, portanto, não diferenciamos nenhuma câmara.
O MpD tem a mesma pretensão, manter as 12 que já tem e tirar algumas ao PAICV, inclusive no Fogo. Esta possível divisão no Fogo poderá dar a vitória ao MpD?
O PAICV no Fogo mantém-se muito forte. Todos os dados indicam isso e temos de continuar a trabalhar com toda a humildade para que o PAICV continue a ser o maior partido, muito consistente e forte, no Fogo.
No caso do PAICV não atingir os limites a que se propõe para que o partido ganhe, qual vai ser a sua atitude?
Espero que o PAICV ganhe as próximas eleições mas teremos de, em função dos resultados, fazer a avaliação e o partido debater e analisar as consequências desses resultados.
Vai colocar o seu lugar à disposição?
(Pausa) Não vejo a ligação entre uma coisa e outra. As eleições são locais, as competências estatutárias são das comissões políticas regionais, as campanhas serão lideradas pelos presidentes destas comissões e não devemos confundir eleições locais com eleições nacionais.
Em caso de derrota, são duas eleições seguidas que o PAICV perde, as presidenciais e as autárquicas. O líder do partido não é posto em causa?
As eleições presidenciais não são partidárias…
O candidato apoiado pelo PAICV perdeu.
Os próprios candidatos fizeram um grande discurso de que são independentes e que as presidenciais não são eleições partidárias. Mas, no caso de derrota, fala-se imediatamente na derrota dos partidos políticos e dos líderes dos partidos políticos. Penso que não devemos confundir as coisas, acho que o PAICV não saiu bem das eleições presidenciais por causa da divisão interna, mas não devemos confundir eleições presidenciais com eleições legislativas ou mesmo eleições locais. Estas eleições são outras, com outros protagonistas e quem estará em causa são os candidatos a presidente de Câmara e não os partidos políticos ou outros actores políticos.
Congresso em inícios de 2013
Portanto, vai manter-se firme até ao final do mandato?
Estou a trabalhar para haver estabilidade legislativa e, nestas circunstâncias, a estabilidade governativa do país depende mais da maioria. Temos o dever político e moral de garantir a estabilidade até 2016. Esta é a minha pretensão e é a orientação que tenho dado ao trabalho do governo e ao trabalho do partido.
E o congresso do PAICV?
Será em inícios de 2013, no término do mandato dos órgãos do partido. Nessa altura, abandona o partido ou recandidata-se à liderança do PAICV? Estamos a discutir mas, independentemente do partido, em 2011 apresentei-me ao eleitorado como candidato a Primeiro-ministro, e acho que devo cumprir o meu compromisso com os cabo-verdianos até 2016. Tenho isso muito presente e não devo fugir às minhas responsabilidades e aos compromissos que assumi com os cabo-verdianos.
Mas abandona a liderança do PAICV, em 2013?
É uma questão que ainda não está sobre a mesa e penso que no quadro de preparação do congresso devemos debater todas as possibilidades, desde que não criem instabilidade a nível do governo e da maioria.
Portanto há a possibilidade de deixar de ser líder do PAICV, em 2013, e continuar a ser Primeiro-ministro até 2016?
Não abro esta possibilidade, neste momento. Não posso peremptoriamente dizer que isto poderá acontecer até porque em Cabo Verde é difícil, separar as duas coisas.
Então recandidata-se à liderança do partido.
O que confirmo, neste momento, é que estou a trabalhar para garantir a estabilidade do governo até 2016 e cumprir, por inteiro, o meu compromisso com os cabo-verdianos até 2016. Risos
Que é quando abandona a liderança do PAICV.
Que é quando vou deixar o governo de Cabo Verde. Risos
Remodelação do governo à vista?
Não tenho qualquer indicação nesse sentido.
Tirando esta mudança de ministro, por causa da saída de José Maria Veiga, não haverá qualquer outra alteração no governo até ao final do mandato?
Não tenho, neste momento, qualquer outra indicação nesse sentido.
O facto de o governo andar um pouco por todo o país em visitas a obras e instituições não é já uma forma encapuzada de fazer campanha eleitoral? Você acha que o Presidente da República está a fazer campanha?
O meu papel é fazer perguntas, não responder. …Risos
O seu governo anda no terreno, de certa maneira, a fazer campanha.
O governo tem de governar normalmente, não pode suspender as suas actividades como qualquer outro órgão de soberania - o Presidente da República e os deputados - senão teríamos de suspender as visitas dos deputados aos círculos eleitorais, teríamos de suspender as actividades governativas e o Presidente da República também teria de suspender as suas visitas. O que acho é que são eleições locais e o governo deve manter-se, enquanto tal, equidistante, e trabalhar com neutralidade para garantir que o trabalho governativo se faça, e que as demandas e exigências das pessoas, da sociedade civil, sejam atendidas.
Para que data defende as eleições?
As eleições serão entre 17 de Maio e 17 de Julho.
Mas qual a data que mais convém ao PAICV?
O PAICV estará preparado para, neste intervalo, a qualquer momento enfrentar as eleições.
Código de ética é proposta do PAICV desde 1991
Quando é que vai se reunir com os partidos políticos?
Estamos a preparar a agenda em função deste intervalo, para ouvir os partidos políticos.
O MpD já veio defender que não seria bom que as eleições coincidissem quer com as festas de Junho, quer com a data da independência de Cabo Verde, 5 de Julho. Poderão ser depois desta data ou ainda em Maio?
Neste momento, não me vou pronunciar sobre esta matéria porque sou também Primeiro-ministro e vou ter de ouvir os partidos políticos e só depois disso é que me vou pronunciar. Devo ter a discrição e o recato para não me imiscuir nesta questão antes dos partidos serem ouvidos e apresentarem as suas opiniões. Só nesse caso é que me poderia pronunciar sobre as eleições.
Era o que, no seu entender, o Presidente da República deveria ter feito?
Não comento também, nem as declarações, nem as posições do senhor Presidente da República relativamente a esta matéria.
O presidente do MpD diz que quer assinar um código de ética com o seu partido. O PAICV vai aceitar este código de ética?
Foi o que Carlos Veiga disse no Parlamento. Estamos disponíveis para, o mais rapidamente possível, aprovarmos um código de ética. Em 1991, o PAICV fez a proposta de um código de ética e o MpD não aceitou. Mas estamos disponíveis para o assinar a qualquer momento, inclusive essa proposta de 1991.
Podem sentar-se à mesa, sem ser no parlamento, para negociar este acordo?
O PAICV sempre defendeu isto, desde 91, que deveremos fazer campanhas eleitorais de forma diferente. Até porque na altura das eleições há uma grande deslealdade institucional, não só da oposição como das câmaras em relação ao governo, há muita falta de respeito também e…
Há sempre exageros de ambas as partes.
Há exageros quase sempre, de ambas as partes. Isto tem a ver com uma cultura política, com a maturidade dos actores políticos e das instituições, e um código de ética pode ajudar. Desde 91, nos temos batido para que haja um na altura das eleições. E chegámos a fazer uma proposta, que o MpD não aceitou e não assinou.
E, agora, vai esperar que o MpD proponha a assinatura ou o PAICV vai avançar com a proposta?
Houve um consenso, no debate parlamentar, que deveríamos ter um código de ética. Portanto, qualquer um dos partidos pode avançar com a proposta e nós estaremos absolutamente disponíveis para isso.
Para avançar ou para esperar?
Para avançar com uma proposta de código de ética para as próximas eleições autárquicas.
E o estatuto especial para a cidade da Praia é para avançar quando?
O governo já levou a proposta por duas vezes ao Parlamento. Nas duas ocasiões, o MpD chumbou a proposta de Lei. Neste momento, estamos a trabalhar para que haja consenso e o estatuto especial para a cidade da Praia seja aprovado o mais rapidamente possível. Tem de ser agendado novamente.
Quando é que isso pode acontecer?
Quando os grupos parlamentares chegarem a um entendimento. Nestas questões devemos agir fora dos ciclos político-eleitorais e é por isso que, antes como hoje, estamos de acordo que se deve aprovar o mais rapidamente quanto possível o estatuto administrativo especial, conforme o comando constitucional.
O MpD diz que é o PAICV que está a entravar o processo.
Se já levámos o estatuto duas vezes ao Parlamento e o próprio MpD chumbou, porque não estava de acordo… Mas não apresentou propostas alternativas, limitou-se a chumbar. Tivemos a preocupação de destacar no último debate no Parlamento, que por duas vezes foi apresentado um projecto substituto e, sem apresentar alternativas ou propostas de alteração, a oposição limitou-se a chumbar, por duas vezes, a proposta do governo.
O estatuto pode ser alargado a São Vicente?
Essa questão deve ser discutida. Em todos os momentos eleitorais essa proposta surge em São Vicente. Aliás, o primeiro a fazer essa proposta foi o Dr. Mário Matos, em 2004, agora é retomada pelo actual presidente da Câmara e é apoiada por outros sectores em São Vicente. Acho que o mais importante para a ilha é haver uma autarquia de nível supra municipal, uma região administrativa com os seus órgãos próprios, eleitos directamente, com mais poderes, mais recursos e mais capacidade de governação para liderar a dinâmica de desenvolvimento e de transformação da ilha de São Vicente.
Mas defende isso só para São Vicente, ficando a Praia com um estatuto especial, ou defende essa proposta para todas as ilhas?
Sim, é o que defendemos. Devemos evoluir para que cada ilha seja uma região administrativa, ou seja, uma autarquia supra municipal com os seus órgãos próprios eleitos por sufrágio universal, directo e secreto.
Mas, na prática, vai funcionar como?
São órgãos do poder local autárquico, de nível supra-municipal, com autonomia, órgãos próprios eleitos directamente, e competências próprias no quadro do Estado de Direito Democrático que temos em Cabo Verde.
“Regionalização envolve aumento considerável dos custos de funcionamento do Estado
Nesse sentido, Praia, São Domingos e Ribeira Grande de Santiago integrariam uma região metropolitana, o Norte de Santiago integraria uma outra região?
O que nós defendemos é que Santiago deve ter duas regiões: a região Sul com Praia, São Domingos e Ribeira Grande de Santiago; e a região Norte que englobaria os municípios do Norte. Em relação às outras ilhas, cada uma seria uma região administrativa. É um debate que deve ser feito, assim como o tempo para a implementação de tudo isto, que envolve um aumento considerável nos custos de funcionamento do Estado, porque teríamos dez regiões com os seus governos locais próprios e com as assembleias deliberativas regionais.
Quando é que isto poderá ser real?
É o debate que temos de fazer agora.
Mas será a curto prazo? Tendo em conta a crise, o aumento de custos…
Defendo que deve haver um período de transição em que avançaríamos, num primeiro momento, com regiões-plano que depois evoluiriam para regiões administrativas.
Essa distribuição regional vai ao encontro da proposta do MpD.
Desde o início que temos essa ideia, de que deveríamos avançar para regiões administrativas mas num processo gradual, começando por regiões-plano. As nossas contribuições, desde 2002, anotam esta nossa ideia.
Profunda reforma do Estado – três níveis de autarcas
É um processo para durar quantos anos?
Vai depender dos debates e dos consensos obtidos. Trata-se de uma profunda reforma do Estado a acontecer em Cabo Verde, e penso que esta reforma também poderá ter reflexos no sistema de governo cabo-verdiano. Teríamos um sistema semipresidencialista com eleição directa do Presidente da República, e depois teríamos o governo, o Parlamento, as assembleias deliberativas regionais, as juntas administrativas regionais, ou seja, o executivo das regiões. Depois teríamos as câmaras municipais, as assembleias municipais, teríamos de analisar se haveria juntas de freguesia, autarquias infra-municipais. Temos de pensar em tudo isto.
Estamos a falar de um aumento considerável de custos e também de mais eleições…
De custos, de muitas eleições e de vários níveis de poder num território exíguo…
Exacto. Cabo Verde não é pequeno para tudo isso?
São questões que devem ser debatidas e aprofundadas. Temos o exemplo dos Açores, que é uma região autónoma e tem o governo da região e as autarquias municipais. Temos a experiência das Canárias onde há o governo regional, os ‘Cabildos’, que são as autarquias supra-municipais, temos os municípios e ainda temos o governo do Reino da Espanha. O que me dizem é que, se fosse hoje decidiriam diferente porque há muitos níveis de poder e conflitos – e muitas vezes esses conflitos são corrosivos para o processo global de desenvolvimento. São questões que devemos ponderar muito bem e discutir, sendo certo que lá onde haja espaço para mais democracia e descentralização devemos trabalhar nesse sentido, independentemente dos custos. É nessa linha que devemos abrir esse debate de forma descomplexada. Um debate democrático para construir os melhores consensos.
Tendo esse exemplo das Canárias, e sendo Cabo Verde um país pequeno, ao criar todas estas estruturas não se cai no mesmo erro? Não será construir uma estrada demasiado longa quando o percurso deve ser mais directo?
É nessa linha que deveremos trabalhar para se fazer um debate aprofundado sobre todos esses aspectos, para que as pessoas estejam mais conscientes do que se está a propor. Acho que, em Cabo Verde, deveremos aprofundar o Estado de Direito Democrático com uma forte participação das pessoas. É claro que o conceito de Estado de Direito Democrático integra a descentralização e, em Cabo Verde, deveremos continuar a descentralizar. Não só a descentralização administrativa mas também a transferência para a sociedade civil de um conjunto de poderes e de responsabilidades, desenvolvendo mais a democracia participativa, a democracia directa.
Essa descentralização não pode passar por dar mais poderes aos autarcas?
O reforço do municipalismo faz parte deste processo, sendo certo que em Cabo Verde teríamos sempre três níveis de autarcas. O supra-municipal, que poderiam ser as regiões administrativas, a municipal e a infra-municipal.
Os autarcas queixam-se que o próprio governo não faz as transferências, que constam do Orçamento de Estado, para os municípios. Vai continuar a transferir por parcelas ou vai fazê-lo na totalidade?
Essa tensão e esse discurso encontramo-lo em todos os países. É natural essa tensão entre as autarquias locais e o governo central. Temos de trabalhar no sentido de aumentar consideravelmente os recursos que são transferidos aos municípios. Nós aumentámos de sete para dez por cento a participação dos municípios nas receitas do Estado e a nossa proposta, neste momento, é aumentar de 10 para 17 por cento.
Financiamento Municipal ronda 3 milhões de contos
E esse valor é transferido na totalidade para as autarquias? Legalmente, o Estado é obrigado a transferir para as autarquias locais estes recursos que estão estabelecidos na Lei das Finanças Locais. E a lei é cumprida?
A lei é absolutamente cumprida. Em relação às transferências do Fundo de Financiamento Municipal, cerca de 2,8 milhões de contos, não há reclamação neste momento. Há reclamação em relação a algumas outras taxas e alguns outros impostos por parte dos municípios mas, aqui, também há dívidas enormes dos municípios em relação ao Estado. É preciso negociar e discutir e fazer o encontro de contas entre os dois níveis de poder. Mas esta reclamação existe sempre. Agora, queremos aumentar o volume das transferências do Estado para as autarquias locais mas também é preciso que as próprias autarquias locais modernizem os seus sistemas de contribuições e impostos, aumentem a sua capacidade de arrecadação e mobilizem, através da cooperação descentralizada, recursos para criarem mais riquezas, mais dinâmicas de crescimento e competitividade das comunidades municipais e, sobretudo, participarem mais na criação da riqueza nacional.
Mas os autarcas queixam-se, precisamente, que estão de mãos atadas porque o governo limita o poder municipal e dizem mesmo que são tratados como políticos de segunda.
O governo não pode limitar o poder local. O poder local tem as suas competências próprias que vêm da própria Constituição da República. O Estado de Direito Democrático em Cabo Verde implica a existência de um poder local democrático, forte, com autonomia e competências fortes, que não podem ser limitadas por nenhum governo, por nenhum Estado, sob pena de violar a Constituição da República. Há o estatuto dos municípios, estão absolutamente respeitados; há a lei das finanças locais e outras leis que são feitas e aprovadas pelo Parlamento, para regular as relações entre o Estado e os municípios.
Mas uma coisa é ter a lei e outra é cumpri-la.
Mas a lei é absolutamente cumprida, porque, caso contrário, os municípios poderiam ir aos tribunais, ao Tribunal Constitucional e, nesse caso, o governo e o Estado seriam penalizados.
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