terça-feira, 20 de março de 2012

REGIONALIZAÇÃO: Uma necessidade urgente do país

Todos estaremos de acordo em que administrar um território contínuo é bem diferente de fazê-lo em relação a um conjunto de parcelas como é o caso de um arquipélago. Este requer modalidade distinta, muitas vezes mais complexa. Aliás, se recuarmos no tempo as próprias ilhas de Cabo Verde e dos Açores, durante o povoamento e períodos posteriores, passaram por experiências de uma governação (Donatários) que respondia (quando respondia) rápida e localmente às exigências da vida das populações antes de se chegar ao governo central para as grandes questões. Com o tempo, os vários governos coloniais portugueses mostraram menos perspicácia que os espanhóis que, mesmo durante o Franquismo, continuaram com a boa administração insular no que se refere aos seus territórios/ilhas, mantendo inclusivamente a Lei dos Cabildos de 1927 no arquipélago, nosso vizinho, das Canárias.

Por: José Pedro Oliveira

REGIONALIZAÇÃO: Uma necessidade urgente do país
Aqui, com a independência (1975), as decisões centrais deslocalizaram-se de Lisboa para a Praia mas a forma de administrar o território em quase nada se alterou apesar do municipalismo, já existente, ter passado a um poder municipal eleito no início dos anos 90 com a chegada da Democracia. Nestes quase 37 anos não fomos capazes de inovar ou mesmo de copiar experiências já utilizadas com sucesso em territórios muito semelhantes ao nosso e continuamos amarrados aos processos deixados por quem nunca deu boa conta do recado nessas matérias.
E porque se aproxima um período de quatro anos sem eleições, poderá ser uma bela oportunidade para que a sociedade caboverdiana se debruce um pouco mais sobre questões de fundo relativamente às lacunas existentes no actual modelo de administrar o país e, consequentemente, eliminar vários e grandes empecilhos ao desenvolvimento das 09 ilhas habitadas.
A REGIONALIZAÇÃO, por força das circunstâncias e da necessidade que já se faz sentir, parece estar a querer entrar na ordem do dia dos cabo-verdianos mas ainda com uma enorme timidez ou fuga à responsabilidade de cada cidadão remetendo-se à fácil mania de culpabilizar os políticos por aquilo que não é feito ou por tudo que vai mal. Por outro lado, muitas vezes, a classe política mete-se em casulos incompreensíveis em vez de estimular os cidadãos a participarem dos assuntos de todos nós, já que sozinha ela não tem capacidade, nem é seu dever inventar varinhas mágicas para nos melhorar a vida. Mesmo com a participação de todos, o passo que se seguirá aqui em Cabo Verde - A REGIONALIZAÇÃO - é um desígnio de tal modo importante para o futuro destas ilhas que nos sentiremos poucos para desenhar a sua melhor solução. Daí que ninguém pense tratar-se de um mister apenas dos políticos e, muito menos, restrito ao espaço hermeticamente fechado dos partidos.
Torna-se essencial que:
• Cada um dê o seu palpite e que o debate saia dos gabinetes e invada os cutelos e as ribeiras; os liceus e as universidades; os bares e recintos desportivos; todos os cantos da vida do cabo-verdiano;
• Que nenhum partido tenha a pretensão de se apoderar da Regionalização como sua bandeira, porque seria jogar contra essa oportunidade que o país deve dar a si próprio;
• Que todos, mormente os partidos, tenham a necessária abertura de espírito para uma discussão tranquila e civilizada, aceitando as contribuições válidas dos outros de modo a conseguirmos um figurino que melhor se adapte à realidade que Deus nos deu e que nos conduza ao equilíbrio, condição sine qua non para o desenvolvimento que todos almejamos para o arquipélago;
• Se comece a apresentar ideias e que surjam especialistas a trabalhá-las, em cada domínio, de modo a que o grosso público tenha maior facilidade de assimilação e consequente posicionamento.
Por exemplo, nos últimos tempos, já li e ouvi tanta coisa divergente sobre a Regionalização mas sempre com a satisfação de que, ao menos, já estamos a ficar preocupados e convictos de que o actual modelo de administrar o país de forma tão centralizada não serve às nossas metas. Mas também não servirá, ou será ainda pior, se a Regionalização trouxer consigo o tipo de caciquismo tão promovido pelos partidos na ânsia de satisfazer suas clientelas políticas nas ilhas/regiões. Isto é, não se deve pretender a Regionalização no intuito de alargar e engordar o Estado mas exactamente o contrário aproximando o poder do cidadão e diminuindo substancialmente a carga burocrática.
ILHA/REGIÃO
Apesar de outras teses que bem respeito, eu subscrevo indubitavelmente a fórmula Uma Ilha Uma Região acima de tudo por conhecer territórios arquipelágicos semelhantes onde esse modelo tem provado eficácia e, também, porque acho que a finalidade primeira da Regionalização tenha de ser o desenvolvimento harmonioso das ilhas e nunca um novo ordenamento que venha perpetuar o favorecimento de duas ou três ilhas em detrimento das demais como vem acontecendo na tradicional administração do arquipélago. Deixaram de existir as razões fantasmas que dividiam o cabo-verdiano em badios e sampadjudos, em Praia (leia-se Santiago) e ilhas satélites e São Vicente e ilhas apêndices.
Os novos tempos são de cidadãos cabo-verdianos que pensam Cabo Verde com todo o seu percurso e projectam o futuro do arquipélago sem qualquer tabu inerente a este ou aquele local, a esta ou àquela ilha de nascimento. Neste processo que se avizinha a passos largos, os nacionalistas, que são a esmagadora maioria do nosso povo, terão de estar à altura de uma argumentação lógica e serena capaz de levar a melhor (incluindo nas urnas de um referendo, caso necessário) sobre a outra parte de bairristas (regionalistas que defendem a Regionalização não pelo país, mas pela sua ilha ou localidade) que pela sua conduta obsessiva não se coibirá em trazer raciocínios desviados do interesse nacional para baralhar e consequentemente retardar a conclusão dessa importante etapa do caminhar cabo-verdiano. Aqui, é preciso ter-se muito cuidado para que os resultados não nos saiam ao contrário, isto é, para que este processo que se quer de reforço da unidade nacional não venha servir de passerelle para alguns cujos anseios pessoais ultrapassam as medidas do razoável.
Apesar de outras teses que bem respeito, não consigo ver uma Regionalização baseada em unidades (Região) com mais de uma ilha em que haveria sempre uma dominante detentora das infraestruturas mais importantes e, naturalmente, o centro vital e decisor da Região originando assim uma concentração populacional desmedida. Portanto, em vez de termos um único centro atractivo e acumulativo (Praia) passaríamos a ter dois ou três, e o objectivo da Regionalização que é o de equilibrar o país passaria ao lado. Não, penso que a melhor solução será a de tornarmos todas as ilhas atractivas reconhecendo-lhes, política e administrativamente, igualdade de oportunidades de modo a que se construa um CABO VERDE Uno e Desenvolvido... em todos os seus recantos. Será apenas a interpretação da realidade do país que temos, em que cada ilha (Região) apresenta particularidades próprias desde o fenómeno do povoamento passando pelo percurso histórico e chegando ao actual quotidiano sócio-cultural. Neste aspecto o ordenamento do território está feito pela Natureza.
PLANO/ILHA
Não será com Estatutos Especiais para esta ou aquela cidade (cada uma apresentando seus argumentos para manter ou resgatar privilégios causadores de desequilíbrio) e muito menos com a proliferação de municípios, como erradamente se fez em Santiago apenas com os olhos postos nos Fundos de Financiamento Municipais, que iremos solucionar os graves problemas das assimetrias do país. Aliás, atrevo-me mesmo a dizer que Santiago é hoje, talvez, o exemplo mais gritante da urgência de passarmos a administrar cada ilha tendo como base um PDI (Plano Director da Ilha), plano chapéu dos PDMs em caso da ilha ter mais de um município. É só fazer uma volta à ilha, com olhos de ver, para se notar que a partir da Achada de São Filipe, nada se coaduna com nada e nada tem a ver com nada. Cada município está transformando-se num submundinho onde a bagunça é o rei e as populações, embrulhadas em papel de quadras desportivas e de festivais etílicos, não têm a percepção do buraco que se está abrindo e da quantidade de lixo (sobretudo cultural) que estamos armazenando para as próximas gerações. Um outro exemplo são as ilhas de um único município; será que a multiplicação de municípios é a melhor solução ou servirá para desequilibrar ainda mais o nível de vida entre localidades da mesma ilha de reduzida dimensão? Nesses casos, penso ser de enorme utilidade o governo da ilha mediante um único PDI e introdução de órgãos infra-municipais para as localidades mais afastadas do centro administrativo.
Em vez de se reclamar Estatutos Especiais para aqui e para ali, exactamente para as localidades de nível de vida mais elevado no contexto nacional, certos políticos deveriam dar o exemplo de solidariedade para com as populações mais desprotegidas promovendo a sua ascensão, de modo a que cada ilha se transforme em local de se viver em tranquilidade e com prazer. Esse deverá ser o primeiro nobre objectivo do PLANO/ILHA e que começará numa divisão mais solidária do Orçamento Geral do Estado em que nenhum local, cidade ou ilha se reclame Especial entre os demais e que também deverá instituir autoridades infra-municipais, de modo a beneficiar a democracia e levar o Cidadão a sentir-se mais co-responsável na perseguição de realizar suas ambições de desenvolvimento.
CAPACIDADE DE CARGA
Interrogações e Ideias:
Iremos continuar a dirigir este país com planificações de curto prazo onde a trave invisível e mestra é sempre a data da próxima eleição, ou será que passaremos a fixar metas a 30 e 50 anos para que todos os poderes, central, regionais e municipais tenham o norte mais ou menos traçado e não possam perder de rumo o interesse do Cabo Verde de todos? Se é a última opção, então deveríamos começar por definir a capacidade de carga populacional que se deseja como útil para cada ilha, cada município, cada ribeira, cada cidade, lá para o ano 2050, por exemplo, e a partir daí as PRIORIDADES na infraestruturação das ilhas passariam a ser mais claras e não ficariam à mercê de ambiguidades de grupos nem de hipotéticos resultados económicos conjunturais. Não devemos perder de vista que Cabo Verde, desde que se assumiu como destino turístico, entrou num novo processo de colonização do seu território e que em determinadas ilhas, sobretudo nas balneares, há o perigo iminente do domínio da quantidade sobre a qualidade desvirtuando assim esse novo ordenamento territorial e populacional que se pretende equilibrado.
Um dos grandes problemas que o país enfrenta é a sua pequenez em população, o que dificulta sobremaneira a viabilização de quase toda a actividade económica virada para o desenvolvimento. Uma, não temos mercado interno, outra não dominamos tecnologias que nos levem a competir com sucesso no mercado internacional. Então, essa reduzida densidade populacional também deverá ser tomada como um dos desafios a serem ganhos pela REGIONALIZAÇÃO. Como? Definindo a tal Capacidade de Carga e implementando políticas de longo prazo nessa direcção. Como exemplo, comparemo-nos mais uma vez com o arquipélago que nos fica tão perto e que é tão parecido com o nosso. A densidade populacional das Canárias em 2011 era de 282,6 habitantes/km2 e a de Cabo Verde em 2010 era de 121,8 hab./km2. As Canárias com uma população de 2.117.519 e Cabo Verde com 491.575 habitantes . Em Cabo Verde, se não mudarmos o rumo das coisas, o país inteiro continuará a sofrer mas há ilhas como Santo Antão que terão de enfrentar dificuldades cada vez maiores do que as da média nacional. Santo Antão tem neste momento uma densidade populacional de 56 (cinquenta e seis!...) habitantes/km2 e uma população de 43.915 inferior à que já tinha em 1945 (final da II Grande Guerra) de 44.725 habitantes. Este é só um pequeno exemplo pois poderíamos falar de São Nicolau, Brava e, enfim todas as ilhas. Parece que uma das soluções será equilibrar o país e duplicar a população nos próximos 30 anos.
GOVERNOS REGIONAIS
Muito se vai falando de que os custos seriam demasiadamente elevados em caso de uma Regionalização à semelhança do que já existe em outras paragens parecidas com a nossa, como é o caso do arquipélago das Canárias em que cada ilha é administrada por um Conselho de Ilha (Cabildo Insular, como o designam) mas até ao presente ninguém, nenhum privado nem nenhuma instituição pública, teve a preocupação de produzir um levantamento para comparar os custos actuais e os após uma provável Regionalização. É claro que comparando os Custos teremos que comparar também os Benefícios que o país conheceria com este ousado e necessário passo! São tantas e tantas questões, que não domino, mas em que a minha curiosidade e preocupação vão ficar alertas e à espera!...
Seguramente acontecerá o emagrecimento do Estado a começar pela redução do próprio governo central a favor da desconcentração de muitas matérias e competências da Praia para mais próximo do cidadão (as ilhas). Quantos elementos terá o Governo de cada ilha? Em que bases será feito esse cálculo? E o Parlamento Nacional, deverá ter o mesmo número de membros que tem hoje? Serão profissionalizados a tempo inteiro ou terão uma remuneração por reunião? Quantas reuniões anuais serão necessárias? Quanto custará ao tesouro público?
Com este leque de interrogações que é só o começo, o leitor já viu, com certeza, que iremos precisar de alterar a Constituição para que se propicie uma Reforma político-administrativa e não apenas um remendo administrativo. Também já viu, obviamente, que um dos primeiros passos será o entendimento efectivo entre os partidos políticos que suportam o actual Sistema. Tenho confiança que a base de todos eles é nacional e nacionalista e que o bom-senso vai ditar que por CABO VERDE vale a pena ousar e que cada ilha terá o seu governo eleito por sufrágio universal directo, pelos cidadãos residentes independentemente se nasceu na ilha A, B ou C o que trará entre muitos outros ganhos uma forte Unidade Nacional. Por outro lado, o Governo da República ficará com espaço e possibilidade de fazer mais e melhor nas matérias de cariz nacional, o que o modelo actual não vem permitindo.
Seria bom que surgissem já, a título temporário, Gabinetes de Regionalização, dentro e fora das organizações partidárias, incumbidos de pesquisar e de produzir estudos para essa causa, antes do entendimento final que a Nação requer e que se estende, sobretudo, a cada um de nós enquanto cidadão deste país/arquipélago. Pois, Uma Ilha Uma Região deve entrar definitivamente na nossa ordem do dia, e você, caro leitor e concidadão, não se esqueça que o Futuro depende de todos e que nenhum de nós deve ficar de fora quando a coisa é séria.

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