O artigo infra destaca aspectos marcantes da cena política cabo-verdiana ocorridos no período em que a campanha para as legislativas 2011 era formalmente aberta. Factos políticos diversos que estimulam diversas leituras. O caso paradigmático tem a ver com a ajuda que a oposição pediu ao conhecido opinion-maker, o Professor Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, que tem uma relativa familiaridade concessional com os ventoínhas para, nesse momento de especial singularidade política para vir varrer a mente crioula com doutas e sábias doutrinas, como se não houvesse um juízo político na mente dos crioulos. Essa suposta forma de pensar Cabo Verde não tem respaldo relevante, mormente se se pensar que o momento era destinado exclusivamente aos cabo-verdianos, sendo a presumível contribuição desse político português vista como intromissão directa na vida política cabo-verdiana.
O articulista realça um facto que foi promovido na agenda da campanha como incendiário e que tem a ver com a quebra do segundo mandato exercido consecutivamente pelo PAICV. A história política recente não regista o exercício de três mandatos com frequência nos países democráticos em que as eleições são realizadas com regularidade. O caso de Cabo Verde não é único mas também para aqueles que achavam que o ciclo vinha terminar e que era ocasião favorável para a oposição posicionar-se como alternativa, terá efectuado estudo pouco prudente do fenómeno político na sociedade cabo-verdiana a partir de 1990.
Leiam pois com atenção a forma como Mário Matos resume tudo isso numa visão realista em que evidencia factos que têm ocorrido noutras latitudes e que não deixaram de ter a projecção na realidade política cabo-verdiana.
Durante a campanha para as recentes eleições legislativas, o MpD tentou passar a ideia de que um partido com ter três mandatos seguidos não seria democrático. Importou o Professor Marcelo Rebelo de Sousa para dar consistência académica à tese. Por Mário Matos
Realço o mal-estar que a importação de personalidades da direita portuguesa para a campanha de Carlos Veiga causou na sociedade cabo-verdiana... Quer se queira ou não, reavivou em nós os brios patrióticos, ainda por cima quando esses senhores têm à perna uma das maiores crises económica, financeira e política no seu país... Será que o PSD, quando tentou o terceiro mandato consecutivo, na década de 90 do século passado, estaria eivado de motivações não democráticas? Tony Blair, quando conquistou o seu terceiro mandato na Grã Bretanha estaria a dar vazão à sua condição de não democrata? O falecido Olof Palm que, se a memória não me trai, governou a Suécia por mais de três mandatos, conquistados nas urnas, teria sido um ditador? A “descolonização das mentes”, - do ex-colonizado e do ex-colonizador, – é um processo longo, devido à interiorização de preconceitos, representações e atitudes nas estruturas profundas da mente, na longa noite colonial, e que emergem em dadas circunstâncias. Aqui há, objectivamente, a tentativa de passar um certificado de menoridade ao povo cabo-verdiano e ao processo de democratização que ele encetou há duas décadas. É como se houvesse diferentes categorias de Democracia. Democracia para os países desenvolvidos, Democracia para os ditos emergentes e Democracia para os outros, que já foram alvo de tantas categorizações que quedo-me pelos “outros”. Mas, felizmente não é assim: não existe democracias de “menoridade”. Existem processos democráticos, com diferentes ritmos e níveis de consecução.
O processo democrático em Cabo Verde tem sido considerado exemplar, analisado no seu percurso e contexto históricos e sócio-cultural. Assim como estudamos as boas práticas da Democracia em países que iniciaram essa caminhada há muito mais tempo que nós, e com quem temos muito que aprender, também outros encontram em nós boas práticas inspiradoras. Na Democracia somos todos, saudavelmente, mestres e alunos e ela não é coisa tão-somente de pergaminhos académicos, aliás, ela é sobretudo questão de atitude – e aqui uso rigorosamente o conceito técnico de atitude e não o de comportamento – e é por isso que Norberto Bobbio vaticina que a Democracia se tornará irreversível no dia em que se transformar em costume.
Após as eleições, a tese sofreu uma adaptação aos resultados eleitorais: há já leituras peregrinas do terceiro mandato conquistado pelo PAICV nas urnas como um ciclo político típico das ditaduras... Convenhamos que é dose! Volto ao raciocínio anterior e à pergunta que tinha feito num outro artigo: então porque é que o MpD tentou o terceiro mandato em 2000/2001? Essa argumentação é, rigorosamente, uma falácia da generalização a partir de uma informação incompleta (citando Anthony Weston, no seu livro, A Arte de Argumentar), pois que tendo o regime de partido-único em Cabo Verde durado quinze anos, e tendo esse regime sido protagonizado pelo PAIGC-PAICV, concluem, alguns, que todos os mandatos de quinze anos com o PAICV, são mandatos típicos de regimes ditatoriais. É generalização (propositada) de informação incompleta porque, à Oposição, numa argumentação casuística típica, de que se tem socorrido, não lhe interessa pesquisar os sistemas políticos onde ocorreram três ou mais mandatos seguidos, para constatarem que os há autoritários, totalitários e democráticos; que em alguns países do Ocidente, nomeadamente na Europa, partidos e políticos conquistaram três mandatos consecutivos em eleições democráticas perfeitamente normais. Pretender que tal, passando-se em Cabo Verde e com o PAICV, é um ciclo típico das ditaduras é i) antes de mais, não aceitar de boa mente o veredito popular ou, simplesmente, não saber perder; ii) demonstrar que ainda têm résteas da mentalidade colonial, estabelecendo padrões de comportamento que são considerados “normais” nos países desenvolvidos e “anormais” nos países não desenvolvidos, estabelecendo uma espécie de tecto para os processos democráticos destes...
A alternância de que o Prof. Marcelo R. de Sousa veio “anunciar” aos cabo-verdianos (?) é típica da Democracia mas ela não é uma obrigação que pende sobre a soberana vontade dos eleitores, e que sobredetermina o seu voto, mesmo quando ele não vê estímulos para essa mesma alternância, desde que os processos eleitorais sejam fair, rigorosos e decorram adentro da legalidade e das regras democráticas, coisa que se passa em Cabo Verde. Ademais, a alternância decorre de um jogo de escolhas, pelo efeito de agregação de votos individuais, dentro do princípio um eleitor-um voto. Nestas eleições legislativas em Cabo Verde, não houve alternância tão-somente porque a maioria dos eleitores considerou que a visão e o projecto do PAICV para Cabo Verde é melhor que o projecto e a visão do MpD. Ou seja, o MpD não conseguiu convencer o eleitorado que tinha melhor líder, melhor equipa para governar e melhor programa. Em resultado, a maioria dos eleitores escolheu o PAICV, sua plataforma eleitoral e José Maria Neves. Um processo de escolha democrática absolutamente normal. Por iso, considero que o pior da tese do “ciclo da ditadura” é a forma como o povo cabo-verdiano, no exercício da sua soberana vontade, é tratado. Não dão conta, os que esta tese defendem, que é como se estivessem a dizer que “o povo foi enganado” (onde é que eu já ouvi isso?), que o povo está cego, enfim, que o povo errou! Pois, é, já tinha dito que a Oposição esteve nestas últimas campanhas como um excerto daquele escrito que durante muitos anos diariamente lia no muro exterior da minha Faculdade. “... a realidade é que se engana”. Parece que há gente no MpD que, mesmo depois das eleições, ainda considera que a realidade é que se engana...
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