sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

“Só me retirarei da política com a minha morte biológica” 20 Fevereiro 2011

Onésimo Silveira insurge-se contra aqueles que o apelidaram de bairrista durante a campanha. O cabeça-de-lista do PTS por S. Vicente, que não conseguiu eleger-se, afirma que há uma linguagem sociológica que os intelectuais de Santiago não entendem ou fingem não entender, que é a provocação para permitir o debate. E apesar de considerar que o PTS sofreu um grande “desaire eleitoral”, Silveira não entrega os pontos e anuncia que só se retirará da política com a sua morte biológica. Em suma. Para esse veterano da política, o PAICV saiu como o claro vencedor destas eleições enquanto o MpD e a UCID foram os claros derrotados.

“Só me retirarei da política com a minha morte biológica”

Que leitura faz dos resultados das eleições de 6 de Fevereiro último?


Os resultados das recentes eleições não foram substancialmente diferentes dos da legislatura anterior. O PAICV, apesar de uma campanha bem concebida e bem implementada, perdeu um deputado. Quanto ao MpD, vejo uma campanha riquíssima. O seu líder, Carlos Veiga, deu mesmo a impressão de estar a realizar uma campanha sublinhada pelo desespero de chegar ao poder, mas não conseguiu atingir esse objectivo. De maneira que o PAICV é o claro vencedor. É um vencedor histórico, porque, pela primeira vez no nosso país, o mesmo partido foi eleito pela terceira vez consecutiva para formar governo. A UCID já reconheceu a sua pesada derrota, uma vez que contava eleger seis deputados, mas não conseguiu mais do que dois.

Quanto ao PTS, o que falhou?


O PTS foi de facto, como disse o Dr. Corsino Tolentino, o grande desaire destas eleições. Mas isso resulta de uma leitura do poder. O PTS não entrou nestas eleições com o objectivo de ganhar o poder. Os dois grandes partidos, mais a UCID, declararam e trabalharam no sentido de atingir o poder. O PAICV e o MpD lutaram pela via da maioria e a UCID quis funcionar como partido charneira. O PTS entrou com o uniforme da campanha, mas sem ferramentas e armas de campanha. Participou na corrida para atingir o objectivo, que vinha programando desde 1995, que é o da regionalização. Do ponto de vista da ideologia, da qualidade e de política, o PTS teve uma grande vitória. É que a sua mensagem foi ouvida por todos os restantes partidos políticos.
Será que o seu discurso, tido em meios políticos, e não só, como sendo bairrista, terá contribuído para esse desaire do PTS?
De maneira nenhuma. Não tivemos meios para fazer uma campanha para o poder. Fizemos uma campanha nitidamente política. O PTS desembaraçou-se de uma faixa importante da classe média, introduziu na sua equipa pessoas totalmente desconhecidas. Tínhamos candidatos, mas faltava-nos uma equipa. Isto condicionou os resultados que tivemos. Mais ainda: o PTS subiu à cruz pelos próprios meios, quando fez o seu último congresso, que foi, em termos de adesão, um autêntico fracasso. Nenhum partido faz um congresso se não contar com uma boa presença de aderentes e simpatizantes. O referido congresso foi um desaire e o PTS não conseguiu, durante a campanha, superar essa situação. Digo, por isso, que o PTS subiu à cruz e o povo acabou por crucificá-lo.

Mas observadores consideram que o seu discurso “bairrista” também se reflectiu nos resultados eleitorais conseguidos pelo PTS.


Eu gostaria que aparecesse gente com coragem em Cabo Verde, sobretudo intelectuais, para discutirmos seriamente a questão do bairrismo, principalmente aquele bairrismo que aponta para a humilhação do Mindelo. S.Vicente é uma sociedade integradora por natureza e por excelência. Nós fomos os primeiros a integrar todos os cabo-verdianos. Depois dos cabo-verdianos passamos a integrar todos os estrangeiros. Nós não podemos, por isso, ser bairristas. Há, no entanto, um bairrismo que vem, neste momento, da Capital, um bairrismo que deriva de uma política hegemónica. Um bairrismo organizado que pretende reduzir S.Vicente a uma expressão mínima, quer do ponto de vista linguístico, quer do ponto de vista mais abrangente, que é o cultural. É por isso que falamos de colonização, em contraposição com a regionalização. Eu enfatizei, nas minhas intervenções, a questão da cultura, em que os nossos dirigentes, desde a primeira República, não têm brilhado e nem têm dado a devida atenção aos aspectos marcantes do Mindelo, através da sua história.

O seu discurso, nomeadamente o não à colonização de S.Vicente por Santiago, foi pura provocação?


Sim. Há uma linguagem sociológica que os intelectuais da Capital não entendem ou fingem não entender: a pequena provocação, a galhofa, que qualquer sociedade sempre faz, quando em presença de elementos estranhos. Antes do abraço da morabeza, provocamos, tomando pulso àqueles que vamos integrar. É uma forma de avaliação instintiva, um mecanismo de defesa, uma espécie de precaução. Nós aqui em S.Vicente, integramos russos, italianos, cabo-verdianos e africanos da nossa costa. Isto atribui a Mindelo pergaminhos extremamente importantes, tanto do ponto de vista político e cultural, como do ponto de vista sociológico. O meu discurso foi, consequentemente, enfático, a dizer não ao bairrismo. Este vem de outros lados e, cuidado, tomem muito cuidado com S.Vicente. Sobre ela pairam pesadas nuvens de ignorância. A evolução da ilha poderá escapar-nos se não fizermos análises correctas do seu desenvolvimento neste momento. Isto inclui questionar os princípios da boa governação e dos progressos alcançados nos últimos anos. Dizer que nós fomos bairristas é uma maneira de atingir pessoas em vez de atingir alvos. É uma maneira de atirar lama, que poderá voltar àqueles que a atiram.

Alguns analistas conjecturam que as recentes eleições ditaram a morte de dois veteranos da política cabo-verdiana: Onésimo Silveira e Carlos Veiga. O que diz sobre isso?


Quanto ao Dr. Carlos Veiga, ele certamente responderá. Posso emitir uma opinião: em momento algum ele deixou entrever a possibilidade de se retirar da vida política. Ele está, há mais de 20 anos, metido na política e não vejo porquê ele haveria de abandonar a política activa. Quanto a mim, devo esclarecer que sou e continuarei a ser patriota, um filho de S.Vicente que compreende a posição da sua ilha no xadrez político e cultural cabo-verdiano. Para mim, a política só acabará com a minha morte biológica.

Mas vai retirar-se da política activa?


De maneira nenhuma. Como já disse, eu só deixarei de fazer política com a minha morte biológica. Enquanto eu tiver forças para me bater por Cabo Verde e por S.Vicente, não deporei as armas.

Diante dos resultados das recentes eleições, será que o PTS tem futuro?


Isso vai depender do próprio PTS, que é um partido novo e sem meios. A sua continuidade é uma questão de coragem. Mas pela bandeira da regionalização que levantamos, eu não vejo porquê haveríamos de abandonar esta tão importante bandeira que é de todo o Cabo Verde.

Entrevista: Alírio Dias de Pina

1 comentário:

  1. Não consigo conceber o Dr. Silverira desposado da cena política cabo-verdiana, pese embora a pesada idade que não lhe privilegia para voos que ainda pretende realizar. Sendo um dos alcaides da promoção e implementação do estado de direito democrático neste país, tendo sido eleito para exercer cargos políticos de suprema relevância no seu solo natal, o Dr. Onésimo cria factos políticos e impõe agenda de debate e de discussão: a regionalização é um facto de maior actualidade e ponderação. Instado a fazer a análise política dos resultados eleitorais de 06 de Fevereiro mostra que o cérebro do cientista político mantém-se vigoroso e actualista ao discorrer que elas não foram substancialmente diversas das da legislatura anterior, sublinhando, no entanto, que no seu entender, o PAICV criou e implementou uma campanha dinâmica e bem concebida ao contrário do MpD que ostentou uma campanha que pode confranger as realezas europeias, porquanto deixava-se transparecer riqueza para esconder o desespero de chegar o poder a qualquer custo, não tendo conseguido afirmar-se para atingir os resultados que conclamava, demonstrando que o PAICV conseguiu almejar um resultado histórico, por ser, pela primeira vez que neste país um partido consegue ser eleito consecutivamente pela terceira vez para formar governo. Se a visão do Dr. Silveira ao afirmar que estas eleições não variaram com as da legislatura anterior é porque nelas o Dr. Silveira não teve em devida consideração a validade das normas que foram integradas no Código Eleitoral e que impuseram um método de verificação de contagem dos eleitos nestas completamente diferentes daquela que normatizava o Código Eleitoral então revogado.
    Sendo um "enfant terrible du cenaire politique cabo-verdienne", ao replicar ao jornalista sobre a rejeição e/ou pura invenção o não à colonização de S. Vicente por Santiago,o Dr. Silveira simplesmente lançou uma lastimosa provocação ao afirmar que há uma linguagem sociológica que os intelectuais da Capital não entendem ou fingem não entender, baptizando S. Vicente com água benta originária de Santa Sé e ex-comungando os supostos intelectuais nativos de Santiago para os extremos de altos altares sagrados da sociologia caboverdiana, o que denota, como se tem sentido que Santiago é um super-estado imperial e que S. Vicente padece com o empoderamento de Santiago, por esse facto, relegado ao esquecimento e abandono. Nada mais falso e é preciso desfazer essa teia que apoquenta os cérebros mais eminentes daquela ilha. Fala-se de S. Vicente como promotora de "morabeza" e ainda não se provou com que ingredientes ela moldou esse tão suculento fenómeno cultural que nos é regular e fastidiosamente atirado como se Santiago ou seus intelectuais têm reservada ou exclusivamente contra esse "pitéu" que, diga-se, torna-se tão densamente relevante que o seu registo no guiness world records passa a ser imperativo e obrigatório antes que ele seja registado naquela organização pelos intelectuais santiaguenses. E se se disser que S. Vicente hoje sofre da ausência da audácia do querer construir o bem comum por parte dos seus concidadãos seria resfastelar-se do modo vivendis daquela gente? A história destas ilhas atlânticas regista o quanto o Estado Novo colonial se embirrou com a ilha de Santiago e da população autótone e impôs a letargia agonizante durante toda a época colonial. Mas Sant'Iago lá sempre persistiu e hoje impõe-se pela força do querer partir e ter que ficar das suas gentes, que considera não ter parceria sincera com as ilhas irmãs, que as estima e as suporta em todos os momentos, na sua sã convivência e no respeito pelas diferenças e potencialidades que orbitam em suas esferas.

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