terça-feira, 3 de abril de 2012

O Populismo

Em Cabo Verde este fenómeno encarna o mesmo espectro ideológico diversificado, mas a expressão maior do populismo caciquista encontra o seu melhor refúgio, em particular, nalguns titulares do poder local.

“O populismo não é hoje só a sombra anarquista da globalização, mas, também, a sombra anti institucional da democracia” – Karin Priester
O fenómeno populismo é hoje, no mundo, uma das expressões máximas da crise da democracia representativa. Quando a ele se associa o caciquismo, transformam-se num veneno social capaz de estagnar qualquer país ou município. Reacções internáuticas críticas da juventude sanfilipense, nos últimos dias, elucidam bem o clima de contestação e repúdio perante atitudes caciquistas e patrimonialistas do poder local, nos últimos meses. Janice Neves, jovem quadro superior e activista política reage, publicando na sua página do Facebook, o seguinte:“Pequenos Gestos, Grandes Golpes – Virose Eleitoral Noticia da última hora: multidão encontra-se à porta da Câmara Municipal da São Filipe, todos sofrendo da virose de tempos de campanha, as autoridades de saúde já foram contactadas e o estado de NECESSIDADE destes é considerado gravíssimo. Sintomas: sacos de cimento, verguinhas e camisolas cheias de terceiras/quartas intenções, compra emocional de votos e lavagem cerebral, eleitorado com problemas resolvidos em troca de muitas promessas, todos preocupam-se em almejar um cargo, lentidão do desenvolvimento, trapaças, e muita mas muita dor em atrasos e extrema pobreza.
Receita: cuidado com um rostinho bonito, com um sorriso oportunista, com uma palmadinha nas costas que promete mas não cumpre, que faz a mesa mas não come, que faz a cama mas não deita, que dá cara mas não encara. Mas tudo passa, até a virose de tempos de campanha.”
Nações desenvolvidas como a França e a Itália viram surgir, nos pleitos eleitorais dos últimos dez anos, sucessivamente, figuras de carácter populista, situados em vários parâmetros do espectro ideológico, como Jean Marie Le-Pen, Ségoléne Royal ou Berlusconi. Se estes países retratam bem o populismo a nível governamental, em Portugal, a expressão maior regista-se a nível municipal ou regional, quer seja Oeiras com Isaltino Morais, Gondomar com Valentim Loureiro, Felgueiras com Fátima Felgueiras ou João Jardim na Madeira.
Em Cabo Verde este fenómeno encarna o mesmo espectro ideológico diversificado, mas a expressão maior do populismo caciquista encontra o seu melhor refúgio, em particular, nalguns titulares do poder local. O perfil populista não se afasta muito, um do outro: sustentados pelo “culto de personalidade”, possuidores de fortunas consideráveis e uma rede opaca de ligações financeiras e políticas, os populistas pertencem a um novo grupo social em ascensão, que nada tem a ver com a velha elite estabelecida. Apresentam-se como pertencendo ao povo, pois não nasceram “em berço de ouro”. São anti-sistema espelhando-se melhor no desrespeito pela lei e na difamação dos representantes do Estado de Direito. Como o ideal de uma ligação directa, não institucional entre eles e os seus apoiantes não pode perdurar, os populistas servem-se do clientelismo – um sistema informal de “satélites” constituído por familiares, amigos, parceiros de negócios, conselheiros populares, líderes de zona, fixando, em suma, uma “entourage” de protegidos ligados ao “chefe”, num género de clientela neo-feudal. O discurso populista não se situa num plano ideológico definido: - direita, esquerda ou centro - mas sim em conteúdos ambíguos, anti-sistema, para que possam, assim, atingir distintos grupos sociais - chegando o populista, em Cabo Verde, ao ponto de apelidar os seus dirigentes de “delinquentes políticos” que violam as normas e princípios estatutários e usurpam poderes. Lutam, quase sempre, para fazer passar a mensagem de que sobrevivem graças à solidariedade do povo que, supostamente, os amam e veneram!
Paradoxalmente, é na ambiguidade dos seus discursos e propósitos que os populistas ganham contornos mais claros, o que permite entender melhor o que neles é essencial e constitutivo: o populista é sempre anti-institucional, anti-elite e anti-sistema, reduzindo quase sempre “a sua causa”, ao sistema político. Por isso são contraditórios, de país (ou município) para país (ou município): umas vezes são socialistas, outras se convertem em neo-liberais; em oportunas ocasiões defendem a intervenção do Estado, noutras a desregulação; numas o proteccionismo, noutras o livre comércio. Por longos anos são suportados por um partido politico que encarnam e defendem, em absoluto, para, repentinamente, se apresentarem com independente que “não devolve o cartão de militante porque nunca o teve…” – em nome da coerência e dignidade humana!
O populismo, ao contrário do que normalmente se pensa, consegue alcançar os seus objectivos numa amálgama de vários grupos sociais diferentes, difícil para os partidos políticos ideologicamente situados, perante eleitores incapazes de aceitar mudanças ou compreender os fenómenos sociais de desemprego e pobreza, ou, ainda, inadaptados ou vítimas da modernização. Em tempos de crise politica, cultural ou financeira - como esta que vivemos hoje - os populistas alimentam sentimentos indefinidos e, ideologicamente, contra os “lá de cima” e contra os “da situação”, procurando mobilizar simpatias naqueles que se refugiam na abstenção. Aí surge o grande trunfo dos populistas: a vitimização sempre orientada para os dirigentes nacionais que, segundo dizem “os consideram como um cadáver politico…”
A cegueira que (dês) orienta os populistas é tanta que, guiados por ela, são capazes de tudo: juntar-se à oposição; ter como objectivo fundamental destruir o partido de origem; avançar e recuar nos seus propósitos e discursos porque, segundo dizem “a política não é uma ciência exacta como a matemática”; utilizam todos os meios públicos ao seu dispor para comprarem consciências e manter a sua rede de influências e de clientelismo, doentio e selvagem.
A luta contra este fenómeno deve ser encarada de frente, numa perspectiva de travar loucuras e aventuras doentias que, à imagem de Saddam Hussein e Khadafi, cavam o buraco para a própria sepultura, arrastando consigo, infelizmente, alguns incautos protegidos por interesses perversos e ambíguos.
O mais curioso nisto tudo é o propósito fundamental do populista nestes casos: destruir o partido de origem e respectivos dirigentes que alimentaram a sua projecção política durante longos e difíceis anos de luta!
Cabo Verde merece, por isso, uma séria reflexão sobre esta problemática, reflexão essa que não deveria incidir apenas sobre a perversão da legislação em vigor que permite a aberração, em democracia, de tais candidaturas, mas fundamentalmente sobre o que elas representam enquanto fenómeno político. Na verdade, estes candidatos não se tornaram “caciques” quando se candidataram como independentes. Estas “criaturas” são obras de “criadores” que os construíram num percurso de anos assentes num progressivo alimentar de “culto de personalidade” que os converteram num obcecado “dono da verdade” e do poder, sem capacidade de diálogo e de discernimento dos limites da sua atitude e obsessão.
De todo o modo, por enquanto, para além dessa necessária reflexão interna de cada partido político, a luta imediata é contra o instrumento da falsa vitimização, porque os favores de um clientelismo cego dominam, por enquanto, a mente pervertida dos seus apaniguados. Por isso tudo, a interpelação da juventude sanfilipense, liderada pela jovem Janice Neves, é oportuna e pertinente. Que continuemos a ter uma juventude desperta e actuante! Por Lívio Lopes

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