segunda-feira, 7 de março de 2011

Diáspora posiciona-se com manifesto por um S.Vicente melhor

Um pequeno grupo de cidadãos cabo-verdianos da diáspora tomou a iniciativa de elaborar e divulgar nas redes sociais um manifesto sobre «a actual situação de decadência da ilha de S. Vicente». De acordo com elementos do grupo, entre eles José Fortes Lopes Adriano Miranda Lima ( (Portugal), Luiz Andrade Silva e Valdemar Pereira (França), desde logo ilustres figuras da diáspora cabo-verdiana das mais diferentes formações académicas e áreas profissionais aderiram à iniciativa.

Diáspora posiciona-se com manifesto por um S.Vicente melhor 
 
Luiz Silva, um dos co-autores do documento, fez questão de realçar a este diário digital que o grupo demarca-se, no entanto, da “informação publicada no Liberal, assim como do título do artigo que acompanha o manifesto divulgado”.
Adriano Miranda Lima fundamenta, por seu turno, que a versão que circulou na internet é inválida, porque era provisória e nela sequer constavam os nomes de todos os subscritores. Lima adverte que nenhum vínculo político-partidário vai influenciar a acção cívica do grupo autor do «Manifesto por um S.Vicente Melhor».
O documento foi já remetido aos titulares dos órgãos de soberania, líderes dos partidos políticos, deputados da nação, presidente da Câmara de S.Vicente e deputados da Assembleia Municipal de S. Vicente. Confira, pois, a versão final que se segue.

MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR

Preâmbulo

A ilha de S. Vicente foi, no passado, o centro económico, político, cultural e intelectual de Cabo Verde. Foi nesta ilha que se implantaram, no século XIX, com o arranque da Segunda Revolução Industrial, as primeiras unidades industriais e comerciais do arquipélago, que dinamizaram toda a vida económica da então colónia. S. Vicente passaria então a ser o coração do Arquipélago.
A ilha acolheu pessoas que, pobres e sem outra esperança, migraram de todo o Arquipélago, à procura de uma vida melhor. Graças à abertura ao exterior proporcionada pelo seu importante porto de mar, Mindelo tornou-se um centro cosmopolita, fervilhando de actividades culturais, artísticas e recreativas, que o projectaram no contexto regional.
Abrigou as melhores escolas e o primeiro liceu da colónia, tendo sido o berço da quase totalidade da passada e actual ‘’intelligentsia” cabo-verdiana, assim como da maior parte da actual classe dirigente do país. A ilha congrega as múltiplas idiossincrasias de Cabo Verde, sendo o paradigma do sincretismo nacional. É um exemplo de tolerância e integração positiva de valores universais. Foi em Mindelo que nasceu o primeiro movimento cultural que haveria de conduzir ao despertar da consciencialização política da população da colónia, e foi nele que se travaram as lutas mais determinantes para o futuro de Cabo Verde.
Por estranho paradoxo, o início da decadência de S. Vicente coincide com a inauguração de Cabo Verde como país independente, quando as legítimas expectativas apontariam para o inverso, em consonância com os valores de liberdade e ânsia de progresso que foram sempre consagrados pela sua população. O modelo de desenvolvimento implementado pela I República de Cabo Verde consistiu em concentrar todos os poderes e recursos na Capital, opção com consequências gravosas para S. Vicente, em particular, e Cabo Verde, em geral, chegando a ilha a uma situação de penoso retrocesso e quase irrelevância política. Todos os governos sucessivos prosseguiram nesta mesma tendência asfixiante, que se acentuou nos últimos anos. A ilha de S. Vicente foi marginalizada politicamente e aos poucos foi sendo depauperada da maior parte dos seus recursos humanos, em virtude do efeito centrípeto que uma capital macrocéfala teria fatalmente de exercer. A situação actual da ilha é caracterizada por uma clara decadência económica e cultural, um nível elevado de desemprego, problemas de delinquência, insegurança e outros males antes desconhecidos.
Recusando ver a ilha enveredar por tão vertiginosa decadência, um grupo de cidadãos subscreveu este apelo, em prol de um S. Vicente Melhor, exortando à implementação de políticas tendentes a inverter a situação, a fim de recolocar a ilha no lugar de destaque que merece no conjunto do país, e em conformidade com o protagonismo histórico que assumiu ao longo de mais de um século, com proveito para todos os cabo-verdianos. Assim, entendemos que é imperativo implementar uma série de medidas, a saber:

1.No plano económico e social

Promover mais e melhor investimento do Estado em sectores geradores de riqueza na ilha, incentivando a criação e a densificação de pequenas e médias empresas competidoras no mercado, a formação profissional e a qualificação da mão-de-obra. No âmbito do que precede: procurar envolver mais intensamente o sector empresarial privado de S. Vicente, sobretudo identificando casos de excelência que possam ser replicáveis, estimulados e mostrados no exterior, concitando parcerias em áreas afins; potenciar o que de bom já existe e apoiar o desenvolvimento crescente dessas empresas, mediante linhas de apoio financeiro à iniciativa privada; organizar mostras do que é especial na ilha de S. Vicente, para divulgação a nível nacional e externo; valorizar internamente casos de sucesso em termos da resposta social às questões mais problemáticas.
Implementar uma Infra-estruturação adequada, nomeadamente no âmbito do Porto e do Aeroporto, de modo a maximizar as potencialidades da ilha e a fazer dela uma plataforma do comércio internacional.
Em particular, tornar realidade o prometido Cluster do Mar, já que se trata de um projecto de grande alcance e dos que melhor se enquadram com a vocação marítima e as tradições laborais da ilha de S. Vicente. Um “Cluster do Conhecimento e da Economia do Mar”, se for bem concebido e projectado, poderá ser um importante factor de relançamento da ilha, com benefício para todo o país. Um Cluster desta natureza englobará actividades como a construção naval, operações portuárias, intensificação e modernização das pescas, transformação de pescado, além do turismo marítimo. Em conformidade, expandir a investigação e o desenvolvimento tecnológico em áreas científicas relacionadas com o mar, bem como estimular a inovação nas actividades económicas centradas nos recursos marinhos, fomentando o acesso a serviços tecnológicos e o empreendedorismo. Neste âmbito, haverá que potenciar as possibilidades do ISECMAR, dotando-o de meios e equipamentos em ordem aos objectivos de desenvolvimento tecnológico em vista.
Facilitar a instalação em S. Vicente de empresas multinacionais de novas tecnologias, empregando mão-de-obra intensiva ou qualificada.
Reforçar os meios e as capacidades das Escolas Técnicas e criar uma Escola Politécnica, orientando-as para a formação e requalificação profissional.
Criar um Campus Universitário e um Complexo Científico abertos ao Mundo, tendentes a integrar Cabo Verde nas novas redes e rotas das Ciências e Novas Tecnologias, e permitindo o intercâmbio entre cientistas e jovens universitários de vários continentes. Investir em politicas rurais para a ilha, nomeadamente, correcção torrencial, construção de disques e barragens e definição de áreas agrícolas e de pastoreio para nichos de mercado específicos no mercado interno e internacional.
Planear a auto-suficiência energética da ilha baseada em energias renováveis. Finalmente, e não menos importante, repensar seriamente a política da Emigração, em todas as suas vertentes, atendendo a que as nossas comunidades diaspóricas têm desempenhado um papel importante nas transformações políticas, sociais e económicas em S. Vicente como em todo o Arquipélago. À imagem do povo judaico, cujos lobbies são uma verdadeira força ao serviço de Israel, recomenda-se que se proceda a um inventário das capacidades económicas, culturais e outras de que são detentoras todas as nossas comunidades diaspóricas, a par da implementação de políticas tendentes à sua melhor (re)integração nas ilhas de origem e em todo o país, através de incentivos legislativos e económico-financeiros que facilitem o investimento na ilha e o seu retorno. Se esta questão não é exclusiva da ilha de S. Vicente, o facto é que a emigração assumiu particular relevância na vida e no desenvolvimento desta ilha.

2. No plano político

Considerando que os problemas que defronta S. Vicente têm uma origem inquestionavelmente política, e que a sua resolução dependerá da exploração conveniente das capacidades e competências políticas existentes na ilha, associada a uma maior proximidade dos decisores políticos às populações, recomenda-se o estudo e a implementação de uma profunda Reforma Política e Administrativa do país, no sentido de uma criteriosa descentralização política que conduza à criação de Regiões e Autonomias eleitas pelos cidadãos, com poderes de decisão, no plano político, económico, financeiro e cultural. Todos os cenários possíveis devem ser estudados de modo a estimular as solidariedades e sinergias insulares e regionais e uma competitividade sã no arquipélago, a par de um envolvimento necessariamente mais activo dos cidadãos e suas organizações na cena política.

3. No plano cultural

Considerando que Mindelo encerra um Centro Histórico e Cultural único, com um potencial anímico e arquitectónico que o capacita a ser um dos cartões de visita de Cabo Verde, recomenda-se a transformação da cidade numa plataforma de intercâmbio cultural e social, e a estimulação do desenvolvimento de um turismo de qualidade. Considerando que o seu património, material e imaterial, vem sendo, desde há décadas, negligenciado, ameaçado e mesmo demolido, como aconteceu com vários ex-libris da cidade que foram ou estão em vias de ser substituídos por projectos arquitectónicos que não só violam a traça histórica da cidade como representam empreendimentos imobiliários duvidosos, apela-se a políticas públicas interventivas, tendentes a: dinamizar a vida social cultural e intelectual da ilha; classificar e preservar o Património Histórico e Cultural da ilha; proceder à requalificação urbana da parte histórica e sua integração nos roteiros culturais e turísticos mundiais; proceder à criação de uma zona turística requalificada e cultural na Baixa da Cidade (designadamente, entre Rua de Matijim e Praia d’ Bote).
Por último, apela-se ao respeito pelas especificidades culturais da ilha e de cada parcela do território nacional, reconhecendo-se como factor de enriquecimento a diversidade cultural, insular, regional e linguística do país, repudiando-se, assim, políticas etnocêntricas e assimilacionistas baseadas em preconceitos étnicos, filosóficos, religiosos ou políticos.

Signatários

Subscrevem este Documento cidadãos cabo-verdianos sem qualquer filiação politico-partidária e pertencentes às mais diversas formações académicas e áreas profissionais: medicina, engenharias, arquitectura, investigação científica, ciências físico-químicas, ciências políticas, economia, sociologia, ensino universitário e secundário, direito, história, literatura, relações internacionais, diplomacia, ciências militares, etc. Preocupados com a contínua degradação da situação económico-social e perda do estatuto político da ilha em que nasceram ou viveram parte significativa das suas vidas, apelam às altas entidades destinatárias para que se tomem medidas urgentes e eficazes no sentido da recolocação da ilha de S. Vicente no lugar que merece e já ocupou no contexto do arquipélago, a bem do desenvolvimento integral e equilibrado do país.

Subscrevem:

José Fortes Lopes, Luiz Andrade Silva, Adriano Miranda Lima, Valdemar Pereira, Fátima Ramos Lopes, Arsénio Fermino de Pina, Filomena Araújo Ferreira, Nuno Álvares de Miranda, Nominanda Silvestre Almeida Fonseca, Viriato de Barros, José Figueira Júnior, Maria de Lourdes Soromenho Ribeiro de Almeida Chantre, Guilherme Dias Chantre, Celso Ramos Celestino, Osvaldo Miranda Lima, António Advino Sabino, Carlos Adriano Vitória Soulé, José Eduardo Salomão Mascarenhas, Fernando Frusoni, Veladimir Romano Calado da Cruz, Filomena Vieira, Eduíno Santos, João Manuel Oliveira, Maria Filomena Araújo Vieira, Jorge Emanuel de Sales e Melo Martins, Manuel dos Santos Delgado, Joaquim Francisco Monteiro, Maria Ermelinda Cunha Vieira, José Luís Santos Silva Brito, Manuel dos Santos Delgado, Anilda Márcia Oliveira Rodrigues, Joaquim Francisco Monteiro, Maria Ermelinda Cunha Vieira, José Luís Santos Silva Brito, Aristides Hugo Pereira, Eunice Corina Pina Alves Monteiro de Macedo, António José Fermino, Jorge Almeida Fonseca, Carlota de Barros Fermino Areal Alves, Abílio Areal Alves, David Graça da Rosa, Maria Filomena Feijó Pereira Lopes da Silva Graça Rosa, António Gabriel da Silva St. Aubyn, Tomás Tito Duarte, José Duarte, Aida Manuela Oliveira Ramos, Antero Augusto Ramos, Ana Isabel Chantre Ramos, Maria Helena Pinto Neto.

Sem comentários:

Enviar um comentário