Um grupo de homens saiu da mesquita de Derna e foi juntar-se em frente a um muro onde alguém afixou uma centena de fotografias chocantes. É difícil olhar para elas. São todas horríveis, cada uma à sua maneira. Não há duas iguais, mostrando como cada ser humano tem a sua forma única de sofrer, e como na humilhação e na morte todos estamos sozinhos.
Entre a fronteira do Egipto e Bengasi as autoridades oficiais desapareceram, só há civis
As fotografias representam rostos de cadáveres, torturados, estropiados, desfigurados. Rostos de olhos abertos, cheios de sangue, com pedaços de carne arrancados. Não se consegue olhar para elas, mas os homens à saída da mesquita param para as observar, demoradamente, com um estranho fascínio.
"Foi Khadafi que os matou a todos", diz Zakaria, de 30 anos. "Finalmente podemos ver estas imagens. Podemos ver que é mesmo verdade. Ele matou-os a todos." Outro homem precisa: "Foram 1275. Khadafi deu a ordem pessoalmente. Nenhum podia sobreviver." E outro explica que se tratava de presos políticos, que se sublevaram na prisão de Abu Salim, em Trípoli, por não aguentarem mais os maus tratos, a deficiente alimentação, a falta de condições sanitárias. E para exigirem um julgamento, que não tinham tido. Khadafi mandou uma força especial para os matar a todos. Passou-se a 16 de Fevereiro de 1996.
"Agora, no passado dia 16, Khadafi sabia que o povo ia manifestar-se nas ruas, em Beida e em Bengasi, por ser o aniversário daquele massacre", diz Mahmoud, de 51 anos, que vive em Beida. "Por isso mandou a polícia, para reprimir. Na minha cidade houve 65 mortos, nos confrontos. Mas agora a polícia entregou-se. Passaram para o lado do povo. Está tudo nas nossas mãos aqui no Leste."
Em vários pontos da região, as pessoas falam do massacre de Abu Salim e dizem de cor aquele número, que assume uma dimensão de símbolo - 1275. Tal como o ícone da revolução da Tunísia foi Mohamed Bouazizi, que se imolou pelo fogo, e o da egípcia foi Khaled Said, que a polícia assassinou em Alexandria, o acontecimento mítico da revolução líbia pode ser Abu Salim.
"A Líbia é um país rico, temos petróleo e gás", diz Mohamed, 23 anos. "Mas ao povo não chega nada. As pessoas são pobres, não há escolas, não há comida. Toda a riqueza do país vai para aquele bando de ladrões, desde há 42 anos. Khadafi não tem piedade do seu povo. É um egoísta. Veja a maneira como ele se veste. Não é um homem, é um macaco."
Zakaria acrescenta: "Ele é um louco, um doente. Não quero estar agora a caracterizá-lo. Não é preciso, o mundo conhece-o. Imagine o que é viver sob o comando de um louco. Ele já não tem ninguém a defendê-lo. Só um gang de mercenários estrangeiros, que estão em Trípoli a disparar sobre as pessoas. Matam qualquer um que saia à rua, ou que vá à janela. Khadafi é capaz de fazer qualquer coisa, para sobreviver. Ele pode até matar os seus próprios filhos, se for necessário. Mas tem de ir. É ele ou nós. Se ele vive nós morremos." Mohamed continua: "Precisamos de respirar ar puro. Temos vivido numa atmosfera tóxica."
E Mahmoud explica: "Tudo era proibido na Líbia. Ninguém podia falar. Nem se podia pronunciar o nome de Khadafi. Tínhamos de dizer "o líder". Se chegasse aqui um estrangeiro, era logo preso, interrogado pela polícia secreta até confessar ser um espião ao serviço de Israel ou dos americanos."
Desde Musa"id, na fronteira com o Egipto, até Bengasi, passando por Tobruk, Derna e Beida, percebe-se que as pessoas raramente viram um estrangeiro. Mas estão contentes por os receberem agora. " Bem-vindos à Líbia", dizem na fronteira, que não tem guardas. Está aberta. Um homem diz: "Vou só ali apontar os vossos nomes... Podem seguir". Na estrada há checkpoints, com homens armados, que não pertencem à polícia nem ao Exército. Alguns vestem fardas de camuflado e têm ao ombro uma espingarda, uma arma automática ou mesmo um RPG. Mas são civis. As autoridades oficiais desapareceram de todo o Leste da Líbia.
A estrada segue junto ao mar, azul-escuro e verde brilhante, que se vê por trás das dunas amareladas e de uma colina de areia branca como neve. Em Tobruk, levanta-se uma tempestade de areia e o ar fica opaco, luminoso e cor-de-laranja. Uma caravana de carros egípcios vem carregada de comida e cobertores, doados pelas aldeias vizinhas da cidade fronteiriça de Assaloum. Um táxi leva os jornalistas até Beida, de graça. Pára num restaurante para lhes pagar o almoço. A alegria da liberdade na Líbia é violenta e enlouquecedora como o siroco."Tudo o que Khadafi diz de nós é mentira", garante Zakaria, junto às fotografias dos cadáveres mutilados. "Nós não somos agentes de Bin Laden. Ninguém aqui gosta do Bin Laden. E também não é verdade que o país esteja dividido. O povo líbio está unido e a nossa capital é Trípoli. Khadadi quer roubá-la de nós, mas não deixaremos."
No minarete da mesquita está pregada uma bandeira da Líbia monárquica, que se tornou também símbolo da revolução. À medida que saem da oração, os homens amontoam-se em frente ao muro das fotografias insuportáveis e ficam a mirá-las com uma misteriosa familiaridade. Fixam-nas longamente, com uma expressão perscrutadora e curiosa, como nómadas que se vissem ao espelho pela primeira vez depois de uma longa viagem.
"Foi Khadafi que os matou a todos", diz Zakaria, de 30 anos. "Finalmente podemos ver estas imagens. Podemos ver que é mesmo verdade. Ele matou-os a todos." Outro homem precisa: "Foram 1275. Khadafi deu a ordem pessoalmente. Nenhum podia sobreviver." E outro explica que se tratava de presos políticos, que se sublevaram na prisão de Abu Salim, em Trípoli, por não aguentarem mais os maus tratos, a deficiente alimentação, a falta de condições sanitárias. E para exigirem um julgamento, que não tinham tido. Khadafi mandou uma força especial para os matar a todos. Passou-se a 16 de Fevereiro de 1996.
"Agora, no passado dia 16, Khadafi sabia que o povo ia manifestar-se nas ruas, em Beida e em Bengasi, por ser o aniversário daquele massacre", diz Mahmoud, de 51 anos, que vive em Beida. "Por isso mandou a polícia, para reprimir. Na minha cidade houve 65 mortos, nos confrontos. Mas agora a polícia entregou-se. Passaram para o lado do povo. Está tudo nas nossas mãos aqui no Leste."
Em vários pontos da região, as pessoas falam do massacre de Abu Salim e dizem de cor aquele número, que assume uma dimensão de símbolo - 1275. Tal como o ícone da revolução da Tunísia foi Mohamed Bouazizi, que se imolou pelo fogo, e o da egípcia foi Khaled Said, que a polícia assassinou em Alexandria, o acontecimento mítico da revolução líbia pode ser Abu Salim.
"A Líbia é um país rico, temos petróleo e gás", diz Mohamed, 23 anos. "Mas ao povo não chega nada. As pessoas são pobres, não há escolas, não há comida. Toda a riqueza do país vai para aquele bando de ladrões, desde há 42 anos. Khadafi não tem piedade do seu povo. É um egoísta. Veja a maneira como ele se veste. Não é um homem, é um macaco."
Zakaria acrescenta: "Ele é um louco, um doente. Não quero estar agora a caracterizá-lo. Não é preciso, o mundo conhece-o. Imagine o que é viver sob o comando de um louco. Ele já não tem ninguém a defendê-lo. Só um gang de mercenários estrangeiros, que estão em Trípoli a disparar sobre as pessoas. Matam qualquer um que saia à rua, ou que vá à janela. Khadafi é capaz de fazer qualquer coisa, para sobreviver. Ele pode até matar os seus próprios filhos, se for necessário. Mas tem de ir. É ele ou nós. Se ele vive nós morremos." Mohamed continua: "Precisamos de respirar ar puro. Temos vivido numa atmosfera tóxica."
E Mahmoud explica: "Tudo era proibido na Líbia. Ninguém podia falar. Nem se podia pronunciar o nome de Khadafi. Tínhamos de dizer "o líder". Se chegasse aqui um estrangeiro, era logo preso, interrogado pela polícia secreta até confessar ser um espião ao serviço de Israel ou dos americanos."
Desde Musa"id, na fronteira com o Egipto, até Bengasi, passando por Tobruk, Derna e Beida, percebe-se que as pessoas raramente viram um estrangeiro. Mas estão contentes por os receberem agora. " Bem-vindos à Líbia", dizem na fronteira, que não tem guardas. Está aberta. Um homem diz: "Vou só ali apontar os vossos nomes... Podem seguir". Na estrada há checkpoints, com homens armados, que não pertencem à polícia nem ao Exército. Alguns vestem fardas de camuflado e têm ao ombro uma espingarda, uma arma automática ou mesmo um RPG. Mas são civis. As autoridades oficiais desapareceram de todo o Leste da Líbia.
A estrada segue junto ao mar, azul-escuro e verde brilhante, que se vê por trás das dunas amareladas e de uma colina de areia branca como neve. Em Tobruk, levanta-se uma tempestade de areia e o ar fica opaco, luminoso e cor-de-laranja. Uma caravana de carros egípcios vem carregada de comida e cobertores, doados pelas aldeias vizinhas da cidade fronteiriça de Assaloum. Um táxi leva os jornalistas até Beida, de graça. Pára num restaurante para lhes pagar o almoço. A alegria da liberdade na Líbia é violenta e enlouquecedora como o siroco."Tudo o que Khadafi diz de nós é mentira", garante Zakaria, junto às fotografias dos cadáveres mutilados. "Nós não somos agentes de Bin Laden. Ninguém aqui gosta do Bin Laden. E também não é verdade que o país esteja dividido. O povo líbio está unido e a nossa capital é Trípoli. Khadadi quer roubá-la de nós, mas não deixaremos."
No minarete da mesquita está pregada uma bandeira da Líbia monárquica, que se tornou também símbolo da revolução. À medida que saem da oração, os homens amontoam-se em frente ao muro das fotografias insuportáveis e ficam a mirá-las com uma misteriosa familiaridade. Fixam-nas longamente, com uma expressão perscrutadora e curiosa, como nómadas que se vissem ao espelho pela primeira vez depois de uma longa viagem.
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