A Líbia está na disposição de dar início a um processo de negociações para a transição, disse ontem o emissário do líder líbio Muammar Khadafi ao ministro português dos Negócios Estrangeiros, Luis Amado, num encontro em Lisboa.
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Segundo uma fonte diplomática que acompanha a crise líbia de perto, o enviado de Khadafi afirmou a Amado que o Governo de Trípoli aceitaria "começar um processo de negociação para a transição".
Ainda é cedo, porém, para avaliar a real intenção desta mensagem e até que ponto não é uma declaração de circunstância.
O mesmo enviado, um membro do Governo cujo nome não foi revelado, disse a Amado que há um grande exagero na cobertura dos media sobre o que se passa neste momento na Líbia: não há tanta violência nem tanta destruição como dizem, defendeu. O mensageiro de Khadafi - provavelmente ministro da Cooperação, segundo outra fonte diplomática - adiantou que o Governo líbio estaria aberto a que uma missão da ONU fosse a Trípoli, pois facilmente verificaria que não houve a violência nem a destruição relatadas pelos media.
Esta aparente abertura de Khadafi deve no entanto ser lida com reserva. Não foi uma mensagem oferecida no início do encontro, mas que surgiu como resposta ao ministro português, depois de Luís Amado ter insistido em três pontos essenciais, em linha com a posição da UE: é preciso parar a violência; o tempo para este regime esgotou e o líder tem que aceitar que está na hora de se retirar; e, por último, a Líbia deve começar a preparar uma transição pacífica para a mudança de regime.
O facto de os emissários do coronel Khadafi se deslocarem à Europa (estarão em Bruxelas nos próximos dias) e de ouvirem - "sobretudo ouvirem" - as críticas ao Governo sem porem de lado a hipótese de negociações, pode ser um indicador de que estão à procura de uma solução e a apalpar terreno. Pode ter resultados e abrir um caminho, mas pode também ser apenas uma manobra para ganhar tempo enquanto as forças pró-Khadafi vão conquistando algumas cidades. De qualquer forma, diz fonte diplomática, a verificação da ONU no terreno só faria sentido mediante duas condições: um cessar-fogo declarado por Khadafi e um compromisso com um processo de transição pacífica.
Alguns diplomatas portugueses interpretam estas inesperadas iniciativas como um sinal de que Khadafi está a "tentar encontrar uma saída", ou seja, negociar um possível exílio, mas esse cenário não terá sido discutido no encontro de Lisboa.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros referiu apenas que o encontro de ontem se "enquadra na preparação das reuniões extraordinárias do Conselho de Negócios Estrangeiros e do Conselho Europeu que se realizam nos próximos dias". Garantiu que a reunião foi concertada com a Alta Representante para a Política Externa e de Segurança da União Europeia, Catherine Ashton - apesar de a sua porta-voz ter negado horas antes esse contacto. Fonte ouvida pelo PÚBLICO acrescentou que, depois de ter sido contactado pelo emissário de Khadafi, Amado conversou com Ashton que considerou útil ouvir o que o responsável líbio teria a dizer.
De qualquer forma, a visita justifica-se pelo facto de Portugal, membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, ter sido eleito para a presidência do Comité de Sanções à Líbia.
Para além da paragem em Portugal, as agências AFP e EFE referem que outros aviões privados partiram ontem de Trípoli com emissários de Khadafi: um deles aterrou no Cairo, outro, segundo o Times of Malta, destinar-se-ia a Bruxelas.
Os emissários de Khadafi estarão a viajar para a capital belga para reuniões com responsáveis da UE e da NATO, previstas para hoje e amanhã, adiantou à Reuters o chefe da diplomacia italiana, Franco Frattini.
Ordem para aplicar sanções
Entretanto, um dia depois de a UE ter aprovado a regulamentação de sanções à Líbia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros enviou um ofício a informar ministérios como a Defesa, Economia e Finanças, e várias entidades sobre a nova política. O Ministério adianta que as sanções são para cumprimento total e imediato.
Os serviços de Alfândegas, de Estrangeiros e Fronteiras, o Banco de Portugal, a Comissão de Mercados e Valores Mobiliários, e várias direcções gerais estão entre a lista das entidades às quais o ofício foi enviado. As sanções foram regulamentadas a 2 de Março e o ofício português seguiu na quinta-feira.Não é conhecido o resultado das diligências que terão sido feitas por estas entidades. As sanções incluem proibição de venda de armas, emissão de vistos e congelamento de contas bancárias, mas também a Autoridade de Investimento Líbia, o que poderá ter implicações em bancos e outras empresas europeias. Que se saiba, não haverá investimentos da AIL em Portugal.
Até agora, apenas o Ministério da Defesa tornou público que irá aplicar sanções. Embora não tenha especificado onde, há relações directas através das OMGA, que têm um contrato de manutenção de aviões C-130 da Força Aérea líbia.
"Adoptámos todas as decisões da União Europeia", disse fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas apesar de os regulamentos europeus serem lei e por isso obrigatórios e directamente aplicáveis, o MNE "teve o cuidado" de enviar o ofício. Até ontem, não chegara ao MNE nenhuma questão ou dúvida de empresários ou cidadãos sobre a aplicação das sanções.
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