domingo, 20 de março de 2011

A primeira guerra da era Obama?


Com a resolução do Conselho de Segurança da ONU, que abre caminho a uma intervenção militar na Líbia, a diplomacia da Administração Obama acaba de inaugurar um novo capítulo. A imprensa americana não deixou de assinalar o significado do momento: Obama, o relutante comandante de duas guerras herdadas da anterior Administração pode ter começado a sua própria guerra ao comprometer os Estados Unidos com uma intervenção militar no Médio Oriente pela terceira vez numa década.
Susan Rice, dos EUA, e Mark Grant, do Reino Unido, ao votarem na ONU 
Susan Rice, dos EUA, e Mark Grant, do Reino Unido, ao votarem na ONU 
A posição americana é tanto mais surpreendente quanto, até quarta-feira, os EUA pareciam estar no lado oposto: o do cepticismo e resistência a um envolvimento na Líbia. O secretário da Defesa, Robert Gates, e chefes militares expressaram opiniões desfavoráveis a uma intervenção, por duvidarem da eficácia de uma zona de exclusão aérea - e, presumivelmente, por quererem evitar uma terceira operação numa região onde a presença americana tem má reputação.

Ao contrário do Egipto, Obama manteve-se mais distanciado da situação na Líbia, onde a América tem poucos interesses estratégicos, e não pareceu importar-se em deixar um papel mais activo aos europeus. Segunda-feira, no âmbito de um encontro de chefes da diplomacia do G8, Hillary Clinton deixou os seus colegas europeus frustrados com a ausência de uma posição americana sobre o que fazer na Líbia. França e Reino Unido defenderam a necessidade de agir imediatamente, Alemanha e Rússia opuseram-se. Os EUA não desempataram.

Até que, na quarta-feira, houve uma viragem. Líbano, França e Reino Unido apresentaram uma proposta de resolução no Conselho de Segurança exigindo o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia e, subitamente, os EUA vieram defender a adopção de medidas mais duras, alegando que a zona de exclusão aérea era uma táctica insuficiente face à vantagem que as forças pró-Khadafi tinham obtido no terreno.

Hillary Clinton explicou aos jornalistas que o ponto de viragem foi o apelo da Liga Árabe, no sábado, para estabelecer uma zona de exclusão aérea na Líbia. A resolução aprovada quinta-feira à tarde sublinha a importância da participação dos países árabes - os Estados Unidos insistiram que qualquer acção militar teria de ser aprovada no Conselho de Segurança, resultar de uma coligação internacional e ter a participação de países árabes, três condições, notava ontem a imprensa americana, que estiveram ausentes em 2003, na invasão do Iraque.

Criticada abstenção alemã

Fontes diplomáticas americanas explicaram que a prudência inicial da Administração Obama teve a ver com a expectativa de que o processo evoluísse de forma "orgânica", como na Tunísia e no Egipto, sem a necessidade de intervenção externa. A mudança da situação no terreno e a iminência de uma potencial catástrofe humanitária terão levado, alegadamente, os EUA a endurecer a sua posição. A Foreign Policy diz que a decisão foi tomada por Obama numa reunião ao mais alto nível na Casa Branca na terça-feira à noite. O encontro foi "extremamente tenso", opondo membros da Administração a favor e contra uma intervenção, descreve a revista. No final, Obama ligou à sua embaixadora na ONU, Susan Rice, dando-lhe instruções para apresentar uma resolução que autorizasse o uso da força.

A resolução final aprovada, com dez votos a favor e cinco abstenções, é uma combinação dos textos do Líbano, França e Reino Unido com as exigências dos Estados Unidos. A exclusão de uma força de ocupação terrestre foi um requisito americano.

A forma como Obama está a lidar com a Líbia tem críticos - Steve Clemons, analista de relações internacionais do think tank New America Foundation disse à Foreign Policy que o comportamento da Casa Branca prova que não há uma estratégia e que Obama se está a limitar a reagir - mas, em declarações ao PÚBLICO, uma fonte diplomática na ONU elogiou o pragmatismo "quase exemplar" dos EUA nos últimos dias.

A mesma fonte notou que, idealmente, teria sido preferível que a resolução tivesse recebido a votação unânime do Conselho de Segurança, mas que "o facto de não haver nenhum voto contra é importante".

Rússia e China, tradicionalmente mais relutantes a intervenções militares, não recorreram ao veto. O facto de a China presidir ao Conselho de Segurança este mês pode ter tido um efeito dissuasor, já que a presidência zela pelo consenso para chegar a uma resolução e evitar um falhanço. A Alemanha foi o único país europeu a optar pela abstenção e saiu fragilizada do processo - a imprensa europeia debate neste momento o isolamento alemão na Europa. Os restantes abstencionistas correspondem às potências emergentes do chamado BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China. Duas delas são membros permanentes do Conselho de Segurança, as outras duas têm aspirações a juntarem-se ao clube.

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